Benkler: “Por 150 anos tivemos uma economia da informação. Mas ela era apenas industrial”

Nesta palestra, Yochai Benkler faz um balanço sobre o modo de produção na sociedade digitalizada. Diferente das abordagens que fixam o informacionalismo como superação do industrialismo, Benkler vai no sentido oposto, argumentando que a economia da informação já exista há 150 anos, mas totalmente atrelada às dinâmicas fabris do capitalismo industrial. “Em 1835, James Gordon Bennet fundou o primeiro jornal de circulação de massa na cidade de nova York. E custou cerca de 500 dólares para começá-lo. Em 1850, fazer a mesma coisa chegaria a custar dois milhões e meio de dólares. (…) O que significa que aqueles que estavam produzindo tinham que ter um meio de levantar dinheiro para pagar aqueles dois milhões e, depois, mais para o telégrafo e o transmissor de rádio, e a televisão, e eventualmente a central de rede. Foi assim que a informação e o conhecimento foram produzidos pelos próximos 150 anos”, aponta.

Contudo, com o advento da internet, a tendência da “economia da informação” foi mudada. Hoje há um novo modo de produção social, que passa pela economia das trocas e do compartilhamento de ideias e dados. “Pela primeira vez depois da revolução Industrial, os meios mais importantes – os componentes mais importantes das atividades econômicas centrais – estão na mão da população em geral. Nós temos capacidade de comunicação e computação nas mão da população, e nós temos criatividade humana, sabedoria humana, experiência humana”.

Benkler, destacado pesquisador sobre a produção colaborativa, insiste na determinação de uma economia dos bens comuns, que é capaz de produzir com mais rapidez e mais qualidades processos de inovação, a aprtir de novos parâmetros de governança (a colaboração social) e novos modelos de propriedade intelectual.

Imperdível vídeo.

A Gazeta, o Conselho de comunicação e a cafonice da lata do lixo

“Uma pessoa se converteu em portal” (Howard Rheinghold)

Em editorial do dia 02 de dezembro, o jornal A Gazeta, do Espírito Santo, repetiu o bordão do movimento todos contra a comunicaçãofilia: os conselhos públicos de comunicação são ditatoriais. O editorial, num estilo que lembra os panfletos da imprensa de Berlim Oriental, tem lá a sua pravda: na  área de comunicação, quem manda é “nóis”, os veículos independentes e limpos da relação incestuosa com o poder. A linguagem chula do editorial lembrou àquela mesma do deputado Gratz (“eu tenho o poder”); olha isso: “Resta apelar ao bom senso do governador e torcer para que ele mande a proposta para o local mais indicado: a lata do lixo”.

A revolta do diário se originou na proposta da Assembleia Legislativa, que indica a criação do Conselho de Comunicação no governo de estado do Espírito Santo. O Conselho teria a função de pensar as políticas públicas de comunicação social, uma das poucas áreas onde a participação popular ainda não chegou. Vocês sabem, né, onde a participação popular ocorreu (educação, saúde, meio ambiente, transportes etc), os “desmandos do Estado” reduziram bastante. Mas por que não pode haver conselho na comunicação para essa turma do contra? Inúmeros motivos. Um deles: o conselho pode pressionar pela gestão transparente dos gastos com as verbas publicitárias. E Hoje essas verbas são drenadas para o caixa dos grupos de comunicação do Espírito Santo, chegando ao absurdo de serem mais volumosas que o próprio investimento em segurança pública no Estado.

o que pode o conselho

O conselho não tem nada a ver com controle social. Não tem nem lastro jurídico para isso, do ponto de vista constitucional (estadual, inclusive). Alguém aqui imagina que, numa sociedade totalmente enredada, o controle de opinião é possível? Nem em Cuba, em que a internet é caquética e o governo tem cabeça de gente com delíriro persecutório, isso acontece, imagina no Brasil? Eu leio “desde cuba” há uns três anos. É um blog muito bom. E adoro os dos dissidentes chineses também (se quiserem saber como driblar os filtros censoriais da internet de sua empresa ou de sua repartição é só mandar um email para mim). Continue reading

A #ondaverde, #br45il e #dilma13: quem venceu na internet?

Publicado na Revista Global.

Quando acabou o primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, uma febre geral contaminou a internet e o país. @Marina_Silva (PV) – a grande vencedora na web brasileira – recebeu quase 20 milhões de votos e empurrou uma eleição, quase ganha pelo PT, para o segundo turno. Logo de início, todo uma comemoração tucana ocorria na rede. Afinal, José Serra (PSDB) foi o que mais se beneficiou com a votação expressiva da senadora pelo Acre. O movimento mais nítido na internet se dava no site Twitter, com a emergência do levante digital #dilmanao. De outro lado, a hashtag #ondaverde (um link que armazena tudo que foi publicado sobre um assunto, no caso, ondaverde) explodia de felicidade, com milhares de usuários relatando o papel que tiveram ao colocar pautas que estavam deslocadas nas candidaturas de Serra e Dilma Roussef (PT). E repetiam o bordão de Marina: “Não vamos deixar a #ondaverde se tornar uma #ondapolitiqueira no segundo turno, por favor”.

Enquanto verdes e tucanos comemoravam, o clima, entre os partidários petistas, era de 2×2, depois de estarem ganhando, fácil, de 2 a 0. Algumas teses sobre o porquê da quantidade de votos de Marina rapidamente se espalhavam; a principal delas: Marina recebeu votos volumosos daqueles que se influenciaram pela circulação na internet de informações difamatórias sobre Dilma. Assim, pelo raciocínio lógico, o ativismo da campanha online de Dilma vacilou e foi trolada, como diz na linguagem internet, quando certo site/pessoa sofre ataques de difamadores e caluniadores, geralmente de gente inexpressiva. Aprofundando ainda mais essa lógica, a conclusão seria breve: surgia no Brasil um novo tipo de conservadorismo, o religioso pentecostal – a religião dos mais pobres, diga-se de passagem.
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a hashtag narrativa: mídia, twitter e colaboração no caso #chuvaNoES

“@henriiquedias: aqui em Vila ‘Veneza’ está pior que terra sem lei, carro na contra-mão, xingamentos e por ae vai. #chuvaNoES”. Twitter for Iphone. 18/11, 22:11

O estado do Espírito Santo, sobretudo a região metropolitana de Vitória, a cada ano, é “surpreendido” por tempestades que trazem inúmeros transtornos públicos (alagamentos, isolamentos de bairros, desmoronamentos, etc). Com frequência, a cidade de Vila Velha é a que mais sofre com essas chuvas, em parte explicado, devido a um investimento tímido em políticas de saneamento básico na cidade, de outra, derivado do isolamento político praticado pelo governo de estado até há pouco tempo.

No ano passado, as chuvas foram tão intensas que, cansados de ver seus dramas serem repetidos em páginas de jornais, os moradores da cidade fizeram o movimento #choravilavelha no Twitter, com a publicação de inúmeros relatos e conteúdos sobre os estragos das águas de novembro. Em artigo, mostrei que o #choravilavelha inaugurava a narrativa participativa p2p no estado, ajudando a formar uma sociedade civil blogueira e tuiteira no ES.

Um ano se passou. E novembro de 2010 faz muito calor. Poucas chuvas. Mas a que aconteceu na última quinta, 18, ninguém vai esquecer, não. Marca principal: ventos chegando a 110 km/h, muita água, trovoadas e prejuízos. A cena dessa anomalia, você, leitor, já deve imaginar. Se não, está tudo registrado na timeline da hashtag #chuvaNoES. Foram quase 2 mil tweets sobre o tema, compartilhados por centenas de usuários da internet.
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Opinar e punir

A Europa sempre protagonizando a tendência em criar algum tipo de tecnologia de poder dos mais infames. Dessa vez, liderado pelo governo da Espanha, a União européia estuda a possibilidade de controlar bancos de dados em que cidadãos expressem “opiniões radicais na rede”, segundo relatório aprovado em julho de 2010.

Via: Cuarto Poder

Mayara Petruso e a liberdade de expressão na internet

Passado uma semana do fim das eleições presidenciais, o caso Mayara Petruso já caiu no esquecimento. Mas relembrar é viver.

Logo após anúncio da vitória de Dilma Roussef, no dia 31 de outubro, enquanto os eleitores petistas comemoravam, uma onda raivosa na internet associava a vitória de Dilma aos votos que recebeu dos nordestinos. 7 em cada 10 votos da região Nordeste foi para a candidata do “cara”, que obteve 56% dos votos válidos. A ciberonda anti-nordestina era o retrato fiel á dupla operação midiática dessas eleições. Por um lado, a imprensa nacional passou quase um ano com o meme “o nordeste vai ser o fiel da balança eleitoral”; por outro, a candidatura de José Serra pautava uma agenda política (o medo, a moral e a família) conjugada a uma virulenta campanha de disseminação de trolagens virtuais e telefônicas das mais baixas contra a candidata do PT, levado a cabo pelo vice, Índio da Costa, e pelo marketing online tucano, com seus bots spammers. Esses dois fatores acabaram servindo como ingredientes para liberar geral os eleitores conservadores mais radicais. Foi aí que Mayara Petruso apareceu e disse (e depois foi amplamente combatida e detonada na própria internet):

Nordestito não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado. Mayara Petruso.

Mayara Petruso externalizava aquilo que “estava no ar” já algum tempo: o ódio contra o voto dos pobres, principalmente o dos nordestinos. E ela acabou por servir de bode expiatório para toda uma cultura ventilada no período, denunciada pelo ótimo artigo de Maria Rita Kehl, no dia das eleições do primeiro turno. A reação rápida contra Petruso na internet (seu nome foi assunto mais twittado no mundo, em determinado momento) deu o tom da polarização Serra x Dilma. Mais discursos odiosos surgiram na rede, agora, contra Petruso, que logo se deletou da web. Sumiu, virou poeirinha de bits. Mas a máquina raivosa ficou presente, polarizada. Naquele instante, o Eu Mayara – aquele cartesiano – foi-se da internet. Mas a máquina odiosa, onde Mayara se instalou para produzir seu discurso, continuou de pé, presente na cabecinhas daqueles que pensavam, sob a égide de um distanciamento e de uma crítica da realidade, que seus enunciados eram construções autênticas de uma consciência plena de si, quando, na prática, ao reproduzir o dito do regime secular de poder da produção de opinião no país, só fazia repetir uma variedade de enunciados que dizia que tudo era culpa do nordeste. Pois que, por um lado, a crônica política conservadora dizia com todo afinco que o Nordeste seria o causador do crescimento eleitoral de Dilma, levando a todo tipo de argumentos mais simplistas, do tipo: quanto mais se é pobre e com pouca escolaridade, mais se vota com o governo de Lula. Logo, o Nordeste é Dilma; como se o Brasil fosse amplamente desnordestizado no Sul e dessudestizado no Norte e Nordeste. Essa era uma crítica fina da crônica política, imagina! E, de outra parte, essa máquina incitava a negativa contra aqueles que decidiam seu voto no interior da “concepção nordestina” do voto, isto é, na libertação daquela posição escravocrata de resignar-se ante aos poderosos, afirmando a sua visão de mundo. 56% dos votos válidos expressaram essa potência nordestina para além da política do medo, do preconceito e da moral difundida pelo outro lado.

Para quem entende um pouquinho de internet sabe que nenhum perfil é isolado. Ninguém está sozinho numa rede social. Ele está conectado a outros, dentro de um mundo específico, numa zona de conforto, onde aquele que escreve comunica-se para “pares”, que recebem, em geral, bem o seu discurso. Quando há dissidência, com frequência, ela é respondida. E se a discordância teima em existir, o usuário no Twitter bloqueia a oposição, quando não “unfollow-na”. Se houve um efeito colateral dos piores nessas eleições foi o usuário-eleitor ter percebido que sua timeline ficou todinha homogênea. Éramos produtor e consumidor de uma rede homogênea de enunciados. Estávamos numa tautologia das mais perigosas, a rede política experimetava aquilo que geralmente os jornalistas vivem diariamente: a agonia em verificar que os jornais vivem em um mundo só; e que a repetição é a forma mais difundida de se criar a verdade dos fatos . Eu me supreendi, por exemplo, no day after, em ver que minha timeline estava um tédio só, com um monte de gente repetindo bordões e palavras de ordens pró-Dilma, candidata em quem eu votei. Comecei, a partir daquele momento, a entrar em, e se filiar a, outros mundos para sentir toda pluralidade que faltava à minha rede. Nesse sentido, todos nós tivemos um pouco de Mayara Petruso nas nossas cabecinhas. Não no sentido de incitar o racismo. Mas de ser impaciente com a dissidência, com o ponto de vista contrário. É claro que nem toda dissidência significa uma abertura à possibilidade de uma dialogia, tampouco nos faz tolerantes a racismos, moralismos e ódios de classe.

Agora o curioso foi um movimento muito estranho: o de imputar a Mayara o status de criminosa, por ter afirmado aquilo que muitos outros afirmavam na internet. Vale à pena ressaltar que o discurso de ódio deve ser separado de um crime de ódio. O discurso de ódio se combate com a produção de discursos de liberdade, de produção e afirmação de direitos. Ao buscar prender e arrebentar, como numa espécie de linchamento público, o que se devolve para sociedade é mais discurso de ódio. Uma coisa é dizer que vai matar; outra é matar. Em países de forte tradição da liberdade de expressão, não há impedimento/censura à circulação dos discursos de ódio, porque eles são concretos e nada velados na sociedade. Ao conhecê-los, a sociedade toma medidas para contrapô-los, na forma de discursos, ou na forma de leis. No caso Mayara, a OAB-PE entrou na justiça acusando-na de incitação pública ao crime. Não só ela, mas “todos” aqueles que twittaram algo semelhante contra os nordestinos (inclusive, tweets feitos por nordestinos). A OAB entrou na justiça para defender a raça pura nordestina contra qualquer tipo de violação racial na internet. Será que se alguém pedir a seu amigos virtuais para fumarem maconha, a OAB-PE vai denunciar o caso como incitação pública a um crime? Há aqueles que dizem que a liberdade tem limite. Sem dúvida, há inúmeras responsabilidades a cumprir quando se diz algo. Mas a afirmação do ódio, infelizmente, é regido pelas mesmas normas da afirmação do amor. E, politicamente, cada vez mais, vamos precisar de atuar publicamente na descontrução do ódio, sobretudo, o ódio de classe, num país que, nunca dantes na história, ver as desigualdades de classes se reduzirem.

A objetividade, segundo Nietzsche

De agora em diante, senhores filósofos, guardemo-nos bem contra a antiga, perigosa fábula conceitual que estabelece um “puro sujeito do conhecimento, isento de vontade, alheio à dor e ao tempo”, guardemo-nos dos tentáculos de conceitos contraditórios como “razão  pura”,“espiritualidade absoluta”, “conhecimento em si”; – tudo isso pede que se imagine um olho que não pode absolutamente ser imaginado, um olho voltado para nenhuma direção, no qual as forças ativas e interpretativas, as que fazem com que ver seja ver-algo, devem estar imobilizadas, ausentes; exige-se do olho, portanto, algo absurdo e sem sentido. Existe apenas uma visão perspectiva, apenas um “conhecer” perspectivo; e quanto mais afetos permitirmos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos, soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo será nosso “conceito” dela, nossa “objetividade”. (NIETZSCHE, F. Genealogia da moral, III, §12, p.109).

Onde a #ondaverde ganhou da imprensa limpinha e dos blogs sujos?

Acabei de escrever. Vai pra revisão e análise da Revista Global Brasil. Uma reflexão, a partir das interações online, sobre de onde veio essa #ondaverde que contaminou as redes sociais na internet. Minha tese é que ela veio de uma fissura aberta pela tensão entre a imprensa limpinha e os blogs sujos na construção de opinião e verdades sobre as eleições presidenciais, como numa cruzada dialética ininterrupta que acabou por gerar concentração de informação em pouquíssimos nós da rede.

O tsunami verde venceu a grande imprensa porque não caiu na caricaturização midiática de uma Marina, considerada frágil, lulista e somente ambientalista, e inventou uma Marina forte e portadora de uma crítica ferrenha ao desenvolvimentismo dos seus opositores. Saiu da #ondaverde a ideia de Dilma como fantoche de Lula. E, enquanto o PIG constituía uma imagem de Dilma como “amiga de Erenice”, a #ondaverde, nem aí, indagava por que Lula não escolheu Marina no lugar de Dilma. Queriam Lula de qualquer jeito.
De outro lado, a rede verde atropelou os blogs alinhados ao governo Lula, ao demonstrar que o foco da ação em rede deveria levar em consideração um Serra preso a sucessivos governos elitistas, mas não só isso. Não poderia estes, para ser independentes, se pautar numa defesa irrestrita e sem crítica a um desenvolvimentismo a qualquer custo da candidata do governo.