Negri e Hardt refletem sobre o #OcupaWallStreet


“Muito se tem dito sobre mídias sociais como Facebook e Twitter, sempre usados nos acampamentos. Esses instrumentos de rede, evidentemente, não criam os movimentos, mas são ferramentas úteis, porque, em vários sentidos, correspondem à estrutura dos experimentos horizontais e democráticos dos próprios movimentos. Em outras palavras, o Twitter é útil, não porque divulga eventos, mas porque reúne as ideias de uma grande assembleia, para uma específica decisão, em tempo real”.

The Fight for “Real Democracy” at the Heart of Occupy Wall Street” – Artigo novo de M. Hardt e A. Negri, traduzido para o português por Vila Vudu.

A influência das redes sociais na política

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Já é mais do que sabido que os conteúdos que circulam nas redes sociais influenciam nossas decisões. Na hora do voto não é diferente. A política tem se transformado depois que as pessoas começaram a utilizar seu tempo livre para opinar no espaço público virtual. Assim, a rede não apenas se firma como plataforma de mobilização social, como ainda se torna o lugar da própria produção da política.Os Slides, feitos no Prezi por Natalia Albañil, acabam por tematizar essas transformações.

“Qualificar primeiro e depois expandir [os pontos de cultura] não faz sentido”, diz Ivana Bentes

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Em artigo publicado no blog Trezentos, a professora da Escola de Comunicação da UFRJ Ivana Bentes criticou a visão burocrática de Marta Porto, secretária do MinC, que pontuou que o futuro dos pontos de cultura passa primeiro pela sua qualificação e não pela sua expansão. O tema é bom para o debate, porque efetivamente os pontos vivem dilema da susteqntabilidade e enorme dificuldade de relação com a burocracia estatal, o que lhes criam embaraços e impedimentos. Contudo, de outro lado, só a expansão dos pontos dará a eles um volume de profissionalização que permitirá uma maior qualificação de suas atribuições e processos administrativos. A questão, portanto, se torna ainda mais política. No meio de tudo, os precários dos pontos esperam os recursos atrasados serem pagos pelo MinC, que finge que eles (recursos e pontos) não existem.

A questão foi colocada várias vezes pela Secretária do MinC, Marta Porto, na primeira reunião com a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, em Brasilia.  A meu ver não existe incompatibilidade entre “expandir e qualificar”! Ao contrário, é a expansão e suas dinâmicas que qualifica, muito simplesmente a rede. É  o processo todo que vai qualificando a rede e o Programa Cultura Viva, um dos mais inovadores em termos de Politicas Públicas no Brasil, apesar dos muitos problemas de gestão. Esse velho dilema foi muito usado pela aristocracia economicista que vem desde lá o Delfim Neto que dizia “primeiro fazer crescer o bolo e depois dividir” e nessa de esperar crescer o bolo, os recursos, a economia, iam privilegiando só uns poucos. A nova fórmula:  “qualificar” primeiro e DEPOIS expandir também não faz sentido. São argumentos “dualistas” que não levam em conta os processos.

ps: não consegui identificar, via Google, a declaração da Marta Porto (em quem confio muito). Mas usando os termos “Marta Porto qualificar pontos” só consegui achar o artigo da Ivana e a sua repercussão na internet à fora. Impressionante.

“qualificar” primeiro e DEPOIS expandir também não faz sentido

Ana de Holanda, D. João VI e o caso Creative Commons

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Entrevista que concedi a Leandro Uchoas, do jornal Brasil de Fato, sobre o caso envolvendo Creative Commons e o Ministério da Cultura.


by @barbaraszanieck

by @barbaraszanieck

1. O que representa a retirada da licença Creative Commons do site do MinC?

A retirada da licença Creative Commons do site do MinC, de forma apressada, demonstra uma medida truculenta da ministra Ana de Holanda. Nada justifica a exclusão do símbolo da luta política pela socialização de conhecimento digital no site do MinC, quando isso não se faz dentro do espirito democrático do diálogo e da moralidade administrativa (o Creative Commons tinha um contrato com o setor jurídico do MinC). O MinC protagonizou avanços formidáveis com suas políticas culturais durante o governo Lula, e o abrigo da licença CC demonstrava que o ministério governava com os movimentos sociais da cultura digital ao seu lado. Veja, a base tecnológica que faz operar a totalidade dos pontos de cultura (que são mais de 4 mil no país) roda sobre licenças que reiventaram o direito autoral, em especial, o copyleft e o Creative Commons. Me pergunto onde a ministra estava nesses últimos anos que não tenha acompanhado toda complexidade que o mundo passa no campo da cultura digital, sobretudo o conflito aberto entre a inovação do mercado da cultura livre e as açōes proprietárias de Google, Facebook e todos os monopólio digitais. É claro que a retirada do selo CC demonstra o lado social onde se encontra, até o momento, a ministra Ana de Holanda: o da defesa irrestrita dos direitos autorais do século XX, cujo recolhimento e distribuição financeira para os autores, na prática, viabilizou toda a formação de uma indústria intermediária da cultura, facilitando a formação de monopólios industriais da cultura e o constrangimento de autores a regras de mercado que fizeram excluir toda uma geração formidável de autores, que se recusavam a obedecer as regras ditadas por esse capitalismo autoral. Então, na prática, o direitor autoral, tal como funcionava no século XX, operava dentro da lógica da “inclusão abstrata e exclusão concreta” do autor, isto é, o autor existia no direito, incluido como portador de toda criação do espírito. Mas, na prática, só era autor quem obedecia a indústria cultural, que era a verdadeira proprietária dos direitos. Abstrato no direito, exclusão concreta no mercado. O Creative Commons é até mais liberal do que o copyright puro-sangue defendido pela ministra, porque, ao permitir a flexibilização do direito (por meio de diferentes tipos de licenciamento), conjugado a existência de plataformas de distribuição de conteúdos na web, faz aquele autor “menor”, totalmente excluído do direito autoral do século XX, se conectar diretamente com o seus públicos ( ele decidir o que pode e o que não pode, e não uma indústria). E isso mobiliza novos arranjos produtivos da economia criativa, para usar o termo do novo léxico do MinC. Aliás, um léxico inventado pelos tucanos em épocas neoliberais no Brasil.

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2. Como o movimento de Cultura Livre está se organizando para se posicionar nesse debate?

A primeira reação foi a de susto, que desencadeou uma série de depoimentos na própria internet. Criação de blog protesto, viralização de críticas nas redes sociais, enfim, acionou-se a rede, que se viu mobilizada por atores de diferentes posiçōes políticas e de campos sociais díspares. Depois veio uma atuação junto ao próprio MinC, que não recebeu deputados do PT que cobravam uma justificativa plausível pelo fim da cultura livre no MinC. A ministra, ao contrário, recebeu um advogado ligado ao Ecad, uma instituição no qual ela tem ligação. O clima agora é de tensão, e não sei se será possível uma reconciliação. Agora toda mobilização, que é feita de modo público, se dá junto aos pontos de cultura e de artistas plugados à cultura livre, a fim de se estabelecer uma pauta comum de antagonismo a esse conservadorismo da ministra e que, sobretudo, faça o MinC reinserir a licença creative Commons em seu site. E, por outro lado, de maneira mais institucional, há uma pressão sobre o PT para que ele responda se essa gestão do MinC é de esquerda ou nao. Será o MinC dos trabalhadores ou não? Porque se nao há Cultura livre instalada no MinC significa que o PT defende um mundo em que o trabalhador se relaciona com o poder público através da formas jurídica “empresa”, isto é, defende que o direito autoral seja operado por apenas associaçöes e mega empresas, e nao um mercado que quem dita as regras são os próprios trabalhadores (artistas, jornalistas, produtores, designers, arquitetos, enfim toda uma gama ampla de gente que vive da cultura).

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3. Ana de Hollanda no MinC foi uma articulação do PT. A política que ela está adotando está em sintonia com o que defende o partido? Se não, como se explica a nomeação?

Eu nao sei responder pelo PT, que é um partido popular e cobrará uma postura pública da ministra, que, por enquanto, mandou “todos dizerem o que querem dizer” – um tipo de postura autoritária dissonante do histórico do PT. Mas um dia ela terá de enfrentar frente a frente esses movimentos, porque a função pública de ministra do Estado requer diálogo, convencimentos, práticas de diálogo e enfretamento aberto. Agora a nomeação da Ana facilita muito essa “cultura do Rio de Janeiro”, um modelo decadente do pensar e do fazer política cultural. Um modelo que combina “classe artística” com indústria cultural (que a ministra, usando eufemismo, chama de industria criativa). O Rio de Janeiro é o único lugar onde a cultura independente não vigora sem passar pelo filtro dos grandes grupos de comunicação e cultura. Isso por quê? Porque há ali um aristocracia alimentada por uma promiscuidade entre artistas e a mídia dos direitos autorais. Esse modelo cria um represamento da potência criativa da cidade. E o MinC do governo Lula rompeu com esse “Rio de Janeiro” para pactuar com um outro “Rio de Janeiro”, o do funk, do hip hop, do samba, das culturas populares, do circuto independente, que alimentam hoje centenas de pontos de cultura de todo o Estado fluminense; potnos de cultura que vivem, de forma precária, lutando contra a “sociedade dos cachês”, que lembra muito a economia do futebol, onde há poucos ganhando muito, e muitos ganhando uma miséria. Infelizmente o século XX chegou ao MinC do governo Dilma, com pitadas de D. joão VI: sem lugar para morar, a corte portuguesa, ao desembarcar na cidade do Rio de janeiro, tomou as casas da multidão que produzia o Brasil, e prensou em cima da porta de cada uma delas: Princípe Regente. Logo a multidão traduziu o PR por “Ponha-se na Rua”. Essa é um pouco a sensaçåo que nós, militantes da cultura livre, que produzimos o Brasil, junto com tantos outros trabalhadores que lutam pela sua “independência” e pela criação de um mercado mais justo, estamos nos sentindo: todos postos na rua. Sem açúcar e sem afeto.

Ps: As respostas do texto acima foram totalmente inspiradas nas posições públicas de Giuseppe Cocco sobre o assunto.

Governo 2.0 não significa marketing nas redes sociais

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Márcia Rodrigues, da Revista Capital Público, me telefonou, mandou as questões por email e saíram essas respostas abaixo sobre o tema do governo eletrõnico & web 2.0. Não sou especialista em “governo”, mas dei meus pitacos. Uma forte referência para eu responder isso tudo aí embaixo foi o post Gov 2.0: It’s All About The Platform, que resume as ideias de Tim O´Reilly sobre o governo eletrônico 2.0. Uma dica adicional para quem curte o tema é seguir o RSS da tag gov2.0 no Delicious.

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Os governos no Brasil (federal, estaduais, municipais) já têm uma razoável presença na web. Porém, pouca expressão na web 2.0. Quais o senhor acredita que sejam as maiores limitações para uma presença pública mais efetiva nas redes: técnicas?

O governo eletrônico no Brasil é ainda restrito à concepção unilateral da comunicação online. Ainda sobrevive a concepção do acesso ao usuário, que se traduz em plataformas onde só o governo comunica. Nos idos dos anos 90, de fato, era vital os governos disporem aos cidadãos de toda gama de serviços para os indivíduos usarem. E isso ainda de forma top-down. Contudo, depois da virada participativa da web, o cidadão quer governar junto. E para proporcionar essa união de maneira completa, a maior limitação dos governo é, primeiro, de cunho ideológica: romper com a visão autoritária de quem tem poder é somente quem governa. Segundo, pensar a comunicação para além do caminho das mídias de massa. Boa parte da dificuldade técnica dos assessores de comunicação tem a ver com o fato de hoje secretários ou técnicos de governo usarem o Twitter sem o “consentimento” da equipe de comunicação. Os assessores não sabem muito bem como funciona uma rede social, porque foi martelado neles que seu principal conhecimento é fazer media training e relise. A cultura do sigilo, típico do autoritarismo informacional das relações públicas, é algo que reduz a capacidade de governar junto com. Mas só isso não explica essa limitação dos governos com as redes sociais. O maior problema de evitá-las – com o cúmulo do absurdo delas serem proibidas nas repartições públicas – é que a política de branding não é possível ser totalmente controlada, porque não há como fazer, de forma geral, na internet, a velha estratégia da matéria paga ou da submissão lambe-botas à imprensa.

Em sua visão, todos os órgãos públicos, sem exceção, devem estar na web, ou isso não é necessário/desejável? Por quê? E na web 2.0? Por quê?

Todos. Porque a informação pública precisa estar sob domínio público. Essa história do sigilo será cada vez mais fácil de se ultrapassar, por causa dos próprios mecanismos de controle criados pelo poder nos últimos anos. Cartões corporativos, telefones móveis, emails, palm´s, tablets, internet, softwares de textos, planilhas, protocolos, etc  são profundamente contaminados por dispositivos que deixam registros digitais e identificam tudo da vida (e da linguagem) das pessoas e instituições. É uma forma de controle absoluto sobre o social (daí a forte crítica à chamada sociedade do controle). Porém, depois do Wikileaks, a sociedade é encorajada a utilizar esses mesmos mecanismos para democratizar as informações. Trata-se de fazer um big brother ao revés. E veja que o curioso é que essas práticas começam a tomar contornos eleitorais, beneficiando candidatos que têm comportamentos de diálogo na rede. A transparência será cada vez mais um valor democrático reinvindicado pela população e, se atendida, beneficiárá governos, políticos, empresas e formadores de opinião.  Já há, como o caso da Inglaterra, em que os governos estão disponibilizando seus banco de dados para que a própria sociedade façam análises estatísticas ou de visuailzação de dados. É o chamado “open government”, uma forte tendência de governo eletrônico. De posse de banco de dados sobre despesas nos últimos 30 anos,  por exemplo, um programador pode criar alguns algoritmos que demonstrem os períodos de maiores gastos e fazer nexos com fenômenos que estão em outros bancos de dados, como o de volume de chuva no período, e identificar quando e por que se gasta com enchentes etc. Enfim, doar os bancos de dados faz o governo penetrar na chamada inteligência coletiva e governar com mais eficiência. Há um lema fantástica no movimento ligado à cultura colaborativa da internet que um governo 2.0 pode adotar: “muitos olhos, poucos erros”.

Como os gestores de órgãos públicos que queiram aproveitar todo o potencial de interação e geração de conhecimento trazido pelas redes sociais podem começar a fazê-lo? Existe um caminho mais indicado?

Primeiro de tudo.: criar política desenvolvimento de serviços tecnológicos. Se quisermos fazer uma política séria no campo das novas mídias, o correto é criarmos uma política forte de desenvolvimento de tecnologia de informação que democratize não só a informação, mas as deciões políticas. Não se trata de criar tecnologias para a burocracia interna, mas para a comunicação externa com os cidadãos: aplicativos para tablets, telefones celulares, streaming de vídeos, redes wi-fi, enfim, criar tecnologias é a principal estratégia de um governo 2.0.

O outro caminho é fazer jus ao lema da internet: “faça você mesmo”. Empoderar os funcionários para que eles criem suas conta pessoais no Twitter, no Facebook, noTumblr, no WordPress. Porque a rede rompe a cultura da permissão, da intermediação. Então o gestor precisa ter a a sua própria mídia. As pessoas me indagam: “mas eu não tenho o que escrever!”. Eu respondo: diga apenas “bom dia” aos seus amigos online. Daí as pessoas começam a rir. Nós participamos diariamente da esfera pública, com nossas opiniões e afetos. É impossível não termos o que escrever ou falar. Somos tão disciplinados na concepção que o outro sabe mais, que somos apenas receptores, que criamos uma fantasia que não temos história, não temos saber, não temos vivências. Então, é importante os governos serem mais democráticos e liberar os gestores a terem seus próprios canais de comunicação. Sei que a realidade da maior parte do Estado brasileiro é de falta de capacitação dos técnicos e gestores em novas mídias, vistas como um enigma e com muita dificuldade cognitiva (sobretudo porque novas mídias demandam do usuário forte processo de alfabetização). Mas, você, gestor, comece atuando pequeno na rede e cresça aos poucos. E se você tiver alguma dúvida, digite no youtube o que você busca. Lá tem vídeos de passo a passo de tudo, desde como fazer um perfil no twitter a como cozinhar um arroz sem deixá-lo queimar. Foi heidegger que disse: “comunicar é se libertar”. Então, a internet está aí para isso.

Quais os passos que devem anteceder a entrada dos governos nas redes sociais? O que é preciso considerar antes de começar?

Os governos precisam compreender que um governo 2.0 não significa ficar respondendo usuário, republicando as coisas lindas que internautas tecem sobre seus governantes e menos ainda divulgar a agenda diária dos líderes. Um governo 2.0 é criador de tecnologias. Mais ainda: de serviços tecnológicos. Então o desafio maior hoje é que os governos olhem para essa ecologia nova de comunicação e perceba que os cidadãos querem tecnologias mais próximas de suas necessidades. Desenvolver serviços tecnológicos: aplicativos para mídias móveis, softwares educacionais, canais em mídias e redes sociais, redes wi-fi públicas, enfim, todo um conjunto de serviços que ajuda no dia a dia do cidadão. Essa coisa de ficar fazendo marketing em redes sociais é cafona. Cidadão quer ter, no seu Ipad ou “Iclone”, um aplicativo que mostra suas dívidas e pagá-las ali mesmo no tablet. Cidadão quer ter, no seu celular, um aplicativo com as aulas que ele assiste na escola ou na faculdade (coisa mais barata é transmitir ao vivo aulas e dispô-las na internet). Cidadão quer ter, no seu netbook, o canal do MSN da equipe especializada em mídias sociais da defesa civil, para caso aconteça uma enchente, poder se comunicar com o órgão, em tempo real. Cidadão quer mandar torpedo para o número do celular com as fotos de pneus velhos que estão no meio de uma rua qualquer, ajudando o departamento de serviços urbanos a cuidar da higiene da cidade. Cidadão quer governar, e não ser objeto de spam eleitoreiro.

Quais são, a seu ver, os maiores desafios impostos aos governos das três esferas pela crescente penetração e popularização das redes sociais?

Ser desenvolvimentista tecnológico. Criar serviços, plataformas, aplicativos, tecnologias de informação que ajudam no cotidiano da população que, a cada dia, depende e usa mais computador e dispositivos de comunicação móvel. Ser transparente, o que equivale, na prática, tornar público todos os processos decisórios do Estado. Não se trata de utopia, mas de uma demanda social crescente: pôr fim à cultura do esconder informação e à prática nefasta da espionagem alheia. Ser aberto, isto é, tornar abertas todas as suas bases de dados. Ao fazer isso, com certeza, toda uma produtividade ligada à inteligência coletiva florescerá e gerará mais valor a essas bases, através de técnicas refinadas de mineração de dados. É muito comum, por exemplo, várias empresas criarem aplicações que potencializam os dados dessas bases. Siga o exemplo do Twitter, tornou público o seu segredo de fabricação e fez surgir todo um conjunto de inovações como twitcam, Twitpic, Hootsuite, enfim, uma gama de produto que só fortalece a marca Twitter. Ser comunicativo nas redes e mídias sociais, atuando na produção de informação que auxilie as decisões, em tempo real, de seus cidadãos, bem como incorporando dados e inovações geradas pelos usuários e comunidades dessas redes. Há um caso fantástico da importância de um governo atuar bem nas redes sociais. Obama e a reforma da saúde. Ele criou uma plataforma online para debater o projeto da reforma com os cidadãos americanos. Com isso, ele criou bases sociais de sustentação para a democratização da saúde pública nos EUA.

O que antevê para o futuro? A web 3.0 trará novas mudanças para as instâncias de governo? Quais?

O futuro já ocorre. E se chama mobilidade. Então os governos precisam ser mais nômades, como a tecnologia de tablets, netbook e telefones celulares. Imagina vc ter um aplicativo do Acervo Histórico da sua cidade dentro do seu celular? Imagina as crianças poderem ter um aplicativo, em seus celulares, com seus livros didátivos interativos? Os governos precisam urgentemente abrir concurso público para desenvolvedores de aplicativos de mídias móveis, abrir concurso para analista de redes sociais, de produtor de conteúdos via streaming (ao vivo). Aposto que, se fizer isso, em pouco tempo, a relação com os cidadãos se alterará para melhor. Só para lembrar; o Brasil tem 240 milhões de celulares circulando no mercado. Apesar das altas tarifas, a mobilidade já faz parte do cotidiano de todos os brasileiros.

O ativismo depois do clickativismo

Crítica direta e muito boa de Micah M. White contra o clickativismo – a maneira virtual de protesto 2.0, que funciona através da replicação de opiniões usando a estratégias de RTs, replies, menções, subscrições, “sign-ups”, curtições, hashtags, atualizações, postagens coletivas, diggagens, tudo muito próprio à cultura da visibilidade aberta pela “economia do link”. Embora a ação online possa gerar agitação (buzz) na rede, na prática, segundo o autor, o clickativismo não altera em nada a realidade, ao contrário, só faz criar uma nova forma de exercício do conformismo ou, o pior, o cinismo político. A contrapelo, o autor destaca que a internet continuará sendo a base da produção de discursos que irão desconstruir a visão consumista predominante.

A existência de uma “memewar” é algo que opõe os ativistas (com suas “bombas mentais” na internet) e os propagandistas do consumismo (que ganham reforço com os clickativistas). Contudo, lembra o escrtor, é a capacidade de mudar a realidade social que deve ser a principal métrica a ser analisada, para que a participação cidadã não se restrinja à capacidade de um assunto se tornar hype e de um movimento, celebridade.

Um trechicho do artigo original com tradução livre:

O Clickativismo é a poluição do ativismo misturado à lógica do consumo. (…) O que define o clickativismo é uma obsessão com métricas. Cada link clicado ou email aberto é meticulosamente monitorado. (…) Com um apelo massivo, clickativistas diluem suas mensagens através de chamadas para ações que são fáceis, insignificantes e impotentes. As campanhas buscarm inflar de percentuais a participação, e não derrubar o status quo. Ao final, a transformação social é comercializada como uma marca de papel higiênico.

A Gazeta, o Conselho de comunicação e a cafonice da lata do lixo

“Uma pessoa se converteu em portal” (Howard Rheinghold)

Em editorial do dia 02 de dezembro, o jornal A Gazeta, do Espírito Santo, repetiu o bordão do movimento todos contra a comunicaçãofilia: os conselhos públicos de comunicação são ditatoriais. O editorial, num estilo que lembra os panfletos da imprensa de Berlim Oriental, tem lá a sua pravda: na  área de comunicação, quem manda é “nóis”, os veículos independentes e limpos da relação incestuosa com o poder. A linguagem chula do editorial lembrou àquela mesma do deputado Gratz (“eu tenho o poder”); olha isso: “Resta apelar ao bom senso do governador e torcer para que ele mande a proposta para o local mais indicado: a lata do lixo”.

A revolta do diário se originou na proposta da Assembleia Legislativa, que indica a criação do Conselho de Comunicação no governo de estado do Espírito Santo. O Conselho teria a função de pensar as políticas públicas de comunicação social, uma das poucas áreas onde a participação popular ainda não chegou. Vocês sabem, né, onde a participação popular ocorreu (educação, saúde, meio ambiente, transportes etc), os “desmandos do Estado” reduziram bastante. Mas por que não pode haver conselho na comunicação para essa turma do contra? Inúmeros motivos. Um deles: o conselho pode pressionar pela gestão transparente dos gastos com as verbas publicitárias. E Hoje essas verbas são drenadas para o caixa dos grupos de comunicação do Espírito Santo, chegando ao absurdo de serem mais volumosas que o próprio investimento em segurança pública no Estado.

o que pode o conselho

O conselho não tem nada a ver com controle social. Não tem nem lastro jurídico para isso, do ponto de vista constitucional (estadual, inclusive). Alguém aqui imagina que, numa sociedade totalmente enredada, o controle de opinião é possível? Nem em Cuba, em que a internet é caquética e o governo tem cabeça de gente com delíriro persecutório, isso acontece, imagina no Brasil? Eu leio “desde cuba” há uns três anos. É um blog muito bom. E adoro os dos dissidentes chineses também (se quiserem saber como driblar os filtros censoriais da internet de sua empresa ou de sua repartição é só mandar um email para mim). Continue reading

Mayara Petruso e a liberdade de expressão na internet

Passado uma semana do fim das eleições presidenciais, o caso Mayara Petruso já caiu no esquecimento. Mas relembrar é viver.

Logo após anúncio da vitória de Dilma Roussef, no dia 31 de outubro, enquanto os eleitores petistas comemoravam, uma onda raivosa na internet associava a vitória de Dilma aos votos que recebeu dos nordestinos. 7 em cada 10 votos da região Nordeste foi para a candidata do “cara”, que obteve 56% dos votos válidos. A ciberonda anti-nordestina era o retrato fiel á dupla operação midiática dessas eleições. Por um lado, a imprensa nacional passou quase um ano com o meme “o nordeste vai ser o fiel da balança eleitoral”; por outro, a candidatura de José Serra pautava uma agenda política (o medo, a moral e a família) conjugada a uma virulenta campanha de disseminação de trolagens virtuais e telefônicas das mais baixas contra a candidata do PT, levado a cabo pelo vice, Índio da Costa, e pelo marketing online tucano, com seus bots spammers. Esses dois fatores acabaram servindo como ingredientes para liberar geral os eleitores conservadores mais radicais. Foi aí que Mayara Petruso apareceu e disse (e depois foi amplamente combatida e detonada na própria internet):

Nordestito não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado. Mayara Petruso.

Mayara Petruso externalizava aquilo que “estava no ar” já algum tempo: o ódio contra o voto dos pobres, principalmente o dos nordestinos. E ela acabou por servir de bode expiatório para toda uma cultura ventilada no período, denunciada pelo ótimo artigo de Maria Rita Kehl, no dia das eleições do primeiro turno. A reação rápida contra Petruso na internet (seu nome foi assunto mais twittado no mundo, em determinado momento) deu o tom da polarização Serra x Dilma. Mais discursos odiosos surgiram na rede, agora, contra Petruso, que logo se deletou da web. Sumiu, virou poeirinha de bits. Mas a máquina raivosa ficou presente, polarizada. Naquele instante, o Eu Mayara – aquele cartesiano – foi-se da internet. Mas a máquina odiosa, onde Mayara se instalou para produzir seu discurso, continuou de pé, presente na cabecinhas daqueles que pensavam, sob a égide de um distanciamento e de uma crítica da realidade, que seus enunciados eram construções autênticas de uma consciência plena de si, quando, na prática, ao reproduzir o dito do regime secular de poder da produção de opinião no país, só fazia repetir uma variedade de enunciados que dizia que tudo era culpa do nordeste. Pois que, por um lado, a crônica política conservadora dizia com todo afinco que o Nordeste seria o causador do crescimento eleitoral de Dilma, levando a todo tipo de argumentos mais simplistas, do tipo: quanto mais se é pobre e com pouca escolaridade, mais se vota com o governo de Lula. Logo, o Nordeste é Dilma; como se o Brasil fosse amplamente desnordestizado no Sul e dessudestizado no Norte e Nordeste. Essa era uma crítica fina da crônica política, imagina! E, de outra parte, essa máquina incitava a negativa contra aqueles que decidiam seu voto no interior da “concepção nordestina” do voto, isto é, na libertação daquela posição escravocrata de resignar-se ante aos poderosos, afirmando a sua visão de mundo. 56% dos votos válidos expressaram essa potência nordestina para além da política do medo, do preconceito e da moral difundida pelo outro lado.

Para quem entende um pouquinho de internet sabe que nenhum perfil é isolado. Ninguém está sozinho numa rede social. Ele está conectado a outros, dentro de um mundo específico, numa zona de conforto, onde aquele que escreve comunica-se para “pares”, que recebem, em geral, bem o seu discurso. Quando há dissidência, com frequência, ela é respondida. E se a discordância teima em existir, o usuário no Twitter bloqueia a oposição, quando não “unfollow-na”. Se houve um efeito colateral dos piores nessas eleições foi o usuário-eleitor ter percebido que sua timeline ficou todinha homogênea. Éramos produtor e consumidor de uma rede homogênea de enunciados. Estávamos numa tautologia das mais perigosas, a rede política experimetava aquilo que geralmente os jornalistas vivem diariamente: a agonia em verificar que os jornais vivem em um mundo só; e que a repetição é a forma mais difundida de se criar a verdade dos fatos . Eu me supreendi, por exemplo, no day after, em ver que minha timeline estava um tédio só, com um monte de gente repetindo bordões e palavras de ordens pró-Dilma, candidata em quem eu votei. Comecei, a partir daquele momento, a entrar em, e se filiar a, outros mundos para sentir toda pluralidade que faltava à minha rede. Nesse sentido, todos nós tivemos um pouco de Mayara Petruso nas nossas cabecinhas. Não no sentido de incitar o racismo. Mas de ser impaciente com a dissidência, com o ponto de vista contrário. É claro que nem toda dissidência significa uma abertura à possibilidade de uma dialogia, tampouco nos faz tolerantes a racismos, moralismos e ódios de classe.

Agora o curioso foi um movimento muito estranho: o de imputar a Mayara o status de criminosa, por ter afirmado aquilo que muitos outros afirmavam na internet. Vale à pena ressaltar que o discurso de ódio deve ser separado de um crime de ódio. O discurso de ódio se combate com a produção de discursos de liberdade, de produção e afirmação de direitos. Ao buscar prender e arrebentar, como numa espécie de linchamento público, o que se devolve para sociedade é mais discurso de ódio. Uma coisa é dizer que vai matar; outra é matar. Em países de forte tradição da liberdade de expressão, não há impedimento/censura à circulação dos discursos de ódio, porque eles são concretos e nada velados na sociedade. Ao conhecê-los, a sociedade toma medidas para contrapô-los, na forma de discursos, ou na forma de leis. No caso Mayara, a OAB-PE entrou na justiça acusando-na de incitação pública ao crime. Não só ela, mas “todos” aqueles que twittaram algo semelhante contra os nordestinos (inclusive, tweets feitos por nordestinos). A OAB entrou na justiça para defender a raça pura nordestina contra qualquer tipo de violação racial na internet. Será que se alguém pedir a seu amigos virtuais para fumarem maconha, a OAB-PE vai denunciar o caso como incitação pública a um crime? Há aqueles que dizem que a liberdade tem limite. Sem dúvida, há inúmeras responsabilidades a cumprir quando se diz algo. Mas a afirmação do ódio, infelizmente, é regido pelas mesmas normas da afirmação do amor. E, politicamente, cada vez mais, vamos precisar de atuar publicamente na descontrução do ódio, sobretudo, o ódio de classe, num país que, nunca dantes na história, ver as desigualdades de classes se reduzirem.