O #12M nas redes Sociais e o micropoder

O Laboratório de estudos em Internet e Cultura (LABIC), que coordeno aqui na UFES, começa – em parceria com o Medialab/UFRJ, a desenvolver um processo de cartografar controvérsias na internet. Controvérsias políticas é a nossa praia. Estamos na fase de aprendizado com os softwares de visualização e input de dados, que são extraídos de diferentes redes sociais.

Neste post, Gabriel Herkenhoff, pesquisador do Labic, faz a primeira incursão no mundo dos grafos da mobilização política ocorrida, na Espanha, no dia 12 de maio, o chamado 12M. É apenas o começo. Fizemos o grafo (há inúmeras formas de visualizá-lo – estamos estudando todas elas) e, agora, vamos começar também a analisar o conteúdo e a cultura instalados nos perfis que participaram da mobilização espanhola.

Curiosamente, ao analisar a rede do# 12M, vimos o seguinte:

os processos de espalhamento e difusão de mobilizações políticas passam, necessariamente, por um atuação minúscula, uma atuação menor. A intuição, inclusive, é de que essas mobilizações estejam prodfuzindo um novo tipo de blogueiro: o que atua direto da rua de modo streaming. Um “blogueiro streammer”.

Essa  política em rede, onde os nós atuam (ou seja, não apenas vêem tudo de longe), faz dela uma forte ação de centenas de pequenos grupos, embora, ao mesmo tempo, não deixe de constituir seus próprios pop stars (hubs). O hub, em mobilizações políticas, não é algo dado. O hub não existe; é um sujeito também emergente. Um sujeito que acontece. Isso pode está a explicar o fato de vermos cada vez mais o aparecimento “políticos que acontecem”, ou seja, que são produzidos pelo trabalho da multidão em rede. Mas é um político de novo tipo: só existe como (e na) mobilização. Estamos no começo das análises, mas já dá pra ver que a visão do maketing de buscar “celebridades” nas redes sociais é um tanto quanto uma invenção massiva dentro das redes, pois, afinal, quem compra é influenciado mais pelo “tratorada de espalhamento da informação pelos nós minúsculos” ou pela força da difusão das celebridades das redes sociais (os hubs), mesmo sabendo que estes não tnham uma capacidade de criar sozinhos (ou com seus fãs mais mobilizados) uma mobilização agressiva na rede?

Estamos só começando. A análise das mobilizações do #12M no Twitter, tim tim por tim tim, está aqui.

A influência das redes sociais na política

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Já é mais do que sabido que os conteúdos que circulam nas redes sociais influenciam nossas decisões. Na hora do voto não é diferente. A política tem se transformado depois que as pessoas começaram a utilizar seu tempo livre para opinar no espaço público virtual. Assim, a rede não apenas se firma como plataforma de mobilização social, como ainda se torna o lugar da própria produção da política.Os Slides, feitos no Prezi por Natalia Albañil, acabam por tematizar essas transformações.

A #ondaverde, #br45il e #dilma13: quem venceu na internet?

Publicado na Revista Global.

Quando acabou o primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, uma febre geral contaminou a internet e o país. @Marina_Silva (PV) – a grande vencedora na web brasileira – recebeu quase 20 milhões de votos e empurrou uma eleição, quase ganha pelo PT, para o segundo turno. Logo de início, todo uma comemoração tucana ocorria na rede. Afinal, José Serra (PSDB) foi o que mais se beneficiou com a votação expressiva da senadora pelo Acre. O movimento mais nítido na internet se dava no site Twitter, com a emergência do levante digital #dilmanao. De outro lado, a hashtag #ondaverde (um link que armazena tudo que foi publicado sobre um assunto, no caso, ondaverde) explodia de felicidade, com milhares de usuários relatando o papel que tiveram ao colocar pautas que estavam deslocadas nas candidaturas de Serra e Dilma Roussef (PT). E repetiam o bordão de Marina: “Não vamos deixar a #ondaverde se tornar uma #ondapolitiqueira no segundo turno, por favor”.

Enquanto verdes e tucanos comemoravam, o clima, entre os partidários petistas, era de 2×2, depois de estarem ganhando, fácil, de 2 a 0. Algumas teses sobre o porquê da quantidade de votos de Marina rapidamente se espalhavam; a principal delas: Marina recebeu votos volumosos daqueles que se influenciaram pela circulação na internet de informações difamatórias sobre Dilma. Assim, pelo raciocínio lógico, o ativismo da campanha online de Dilma vacilou e foi trolada, como diz na linguagem internet, quando certo site/pessoa sofre ataques de difamadores e caluniadores, geralmente de gente inexpressiva. Aprofundando ainda mais essa lógica, a conclusão seria breve: surgia no Brasil um novo tipo de conservadorismo, o religioso pentecostal – a religião dos mais pobres, diga-se de passagem.
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10 momentos da campanha eleitoral no ES. Na web.

Antes de qualquer coisa, candidatos, por favor, continuem com as suas redes sociais. Não apaguem nada.T odo esse material na web é história.

Agora vamos a minha avaliação.

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A campanha eleitoral chegou ao fim no Espírito Santo. Muitos candidatos, muitos jingles do Carlos Papel, muitos santinhos jogados no chão, muitos #foras, muitos “estou indo agora para”, muitos sacis, porém, também muitas possibilidades  interessantes de pensar o Estado, que há oito anos se via mergulhado numa realidade que estava mais para as páginas policiais do que políticas da crônica jornalística local.

As eleições na internet não aconteceram como se previa (como nada que vira coisa de futurista). Os candidatos se mantiveram dentro de um patamar seguro do ponto de vista da comunicação política: como emissores, sozinhos, das suas promessas. A rede virou um “grande mural do facebook”. Mas, mesmo assim tivemos avanços, porque o eleitor jogado às traças na rede, foi capaz de então constituir as suas próprias relações políticas, construindo diferentes perspectivas de seus candidatos. A grande ausência das campanhas digitais foi a transmissão em tempo real das atividades públicas das campanhas. O eleitor saiu da campanha não sabendo muito o que se disse e o que os políticos eleitos pretenderão desenvolver. As inserções, em tempo real, aconteceu de forma tímida, no estilo #pergunteaoserra – o que, sabemos, virou piada pronta no Twitter.

Então eu fiz uma seleção bem arbitrária dos melhores momentos das eleições do ES na internet.

1. Pré-candidatos nas redes sociais

“Eu não tenho twitter, mas vou aprender a usar”, dizia a candidata do PSOL, Brice Bragato, às vésperas de a campanha começar de fato. Todos os três futuros candidatos adotaram as redes sociais como mídia para manter conversação com eleitores. Praticamente todos os principais políticos do Estado adotaram as novas mídias e, pela inexperiência no uso das redes, mantiveram-se cautelosos em seu uso. Mas nem por isso escaparam de brigas e rusgas entre si pela internet, o que rendeu ótimas notas e comentários na web.

2. O #diadofico e a hora H

19 de março de 2010 seria o começo das eleições no Espírito Santo. O governador do estado, Paulo Hartung, despediria-se do governo, candidatando-se ao Senado. Com isso, o seu vice, Ricardo Ferraço, assumiria a gestão estadual e candidataria-se à reeleição. O PT apoiava a estratégia de PH, por acordar que, em 2014, seria a sua vez na fila, possivelmente com o prefeito de Vitória, João Coser. Tudo estava muito bem montado, o vice desfilava em todos os eventos públicos, com parte da mídia local o apoiando declaradamente e repercutindo qualquer de suas opiniões. Ferraço era uma espécie de queridinho da mídia local. Mas, naquele final de verão, o governador Hartung disse: “Renuncio a um projeto pessoal de disputar um novo mandato. Faço esse gesto com serenidade e consciência republicana”. Disse isso no salão São tiago, no Palácio Anchieta. O salão estava assim de políticos e assessores conectados à internet, e a notícia vazou pelo Twitter e logo angariou as hashtags #diadofico e #fico. Quem deu um furo em todo mundo foi o prefeito de Cariacia, Helder Salomão, uma unanimidade de simpatia no microblog (se alguém bate no cara na rede vira um Judas na hora). A força da hashtag acabou por ser lindamente copiada pela crônica política local, que já a partir dali não sabia mais o que dizer, acabando por passar a toda campanha amargurada.

Helder Salomão

@heldersalomao Helder Salomão
O governador Paulo Hartung acaba de anunciar que fica no governo até o final do mandato. 19 MAr
@Bof_Buffon José A. Bof Buffon
Twitter mais rápido do ES, na hora H @heldersalomao O governador Paulo Hartung acaba de anunciar que fica no governo até o final do mandato.

3. Renato Casagrande, independência ou morte!

Preterido no acordão, também em março, o senador Renato Casagrande mobilizou o seu partido, o PSB, e o seu mandato para articular uma candidatura independente. Aliado do governo, reclamava na imprensa que o governador desidratava sua campanha, fechando portas de partidos e apoiadores. Casagrande não contou com nada, decidiu ir para a disputa, unindo setores da sociedade que conseguia mobilizar. Sua sina seria muito dura: pouco dinheiro, pouco tempo na tevê (2 minutos). Resolveu arriscar-se, foi para a internet. Site novo, twitter turbinado, redes sociais distintas e até blog. Enquanto não tinha muito espaço midiático, expressa-se em todas as suas redes sociais. Em um de seus discursos, talvez um dos mais belos discursos da história recente do Espírito Santo, o senador afirmava que a história era feita pela sociedade e não em gabinetes fechados por um grupo pequeno de políticos .Quem quer conhecer a história, esse o perfil do Danilo Simões, uma espécie de fã-militante de Casagrande. O cara registrou tudo. Guardem esse nome, o rapaz é muito bom.

4. O dia do mico

Depois de um mês de intensas negociações, a reviravolta na política do estado acontece. O governador Paulo Hartung cede às pressões do governo federal e anuncia apoio a Renato Casagrande, em uma coletiva pra lá de movimentada. O seu vice, Ferraço, explode de ira. eE, de novo, a crônica política fica sem entender nada. O governador mais popular da pós-Constituinte vai no ostracismo político. Na internet, os políticos pagam tanto mico, que o a “nova” oposição começa fazer gozação, muita gozação. Foi um dia de explosão de informações na internet. Tarefa para historiadora da comunicação. Coisa bárbara.

5. O imperador Hartung e a aliança com Casagrande

Antes do apoio de hartung a Casagrande, circularia na web o viral mais assistido da “campanha”. Um hit que ironizava a aliança entre PT e PMDB, que acabou naufragando. Nenhum outro vídeo foi tão visto no Estado. Nesse momento, Renato Casagrande já era líder nas pesquisas. E começava a ditar, ao seu ritmo, a condução da campanha. Já era senhor da web, já tinha o twitter com o maior número de seguidores. Os tucanos estavam apaixonados pela peça na rede, os apoiadores de Casagrande, vingados.

6. Ricardo FailRaço

Fez enorme sucesso o perfil fake do vice-governador Ricardo Ferraço, considerado, por mim, o melhor fake de toda a rede. Criativo, original, inovador. Foi a peça mais hilária dessa campanha, o ricardofailraco e os vídeos da Xuxa Verde. A rede tucana não cansava de retuitar.

6. Os fakes das campanhas: trolagem e pouca inteligência

Tiveram pouco destaque os fakes, depois de julho. Todos eles foram utilizados no sentido mais de despolitizar o debate do que efetivamente construir uma visão mais crítica dos candidatos. Alguns deles circularam um pouco mais: @narizinhocapixaba, @emocasagrande, @bricebagaco – mas baseados em acusações. Muito ruim.  Muito se deduziu dizendo que os fakes eram todos internos às dinâmicas da campanha, mas todos os lados se prontificaram a negar qualquer responsabilidade por eles.

7. O #foramagnomalta

A mais importante mobilização da opinião pública compartilhada na rede no Espírito Santo. Organizada por muitas mãos – algumas bem interesseiras, no sentido de menos debater a questão, mas pedir voto contra o senador – o #foramagnomalta foi um tuitaço contra a hipocrisia trazido a cabo pela campanha do senador, que, na televisão, passava lição de moral com uma proposta pra lá de fascista: colocar adolescente na cadeia, caso cometam algum tipo de ato infracional. Ao mesmo tempo, o senador defendia políticas duras contra toda forma de pedofilia, mostrando, assim, uma total contradição em seu discurso sobre a criança e o adoelscente. Conjugado a isso, toda uma rede contra a homofobia se rebelava online, criando o lema “todos contra a hipocrisia”, numa ironia ao “todos contra a pedofilia”, camisa negra com caracteres brancos do senador. O movimento fez Malta tirar o time de campo, recolher o discurso público, tornando-se um pouco mais aberto ao debate da sociedade.  O #foramagnomalta manteve alguns dias à frente dos assuntos mais tuitados da capital do estado, segundo o site Trendsmap.

Uma ótima história ainda para ser contada, a partir da fartura de crítica online, por algum estudioso de história política do estado. Algo que pode ser o começo de um movimento.

Babado Certo

@babadocerto Babado Certo

8. O webmício de Luiz Paulo

Com ótima ideia, o candidato tucano abriu canal de conversação com seus eleitores, no seu webmício (comício na web). Problema sério, poucas pessoas na rede ficavam conectado a ele. O webmício foi uma ótima ideia, mas executada sem fôlego. Luiz Paulo, na verdade, vacilou. Ele é ótimo em seu blog, que virou um ex-blog (como o do Casagrande) logo que começou a campanha. Com muita verve, era o blog que poderia lhe dar ótimas tiradas. Despensou o blog, entrou no twitter e ficou apenas no relato de agenda, como todos os outros candidatos. Mas inovou em se aventurar a debater tête a tête com quem quisesse aparecer na sua casa na web.

9. O uso das redes sociais

Twitter brilhou, mas protagonismo foi dos eleitores e não dos políticos. Fotografias no Flickr também foram um marco. Casagrande tentou criar a Rede Ning, mas deu com os burros n´água (por motivos óbvios, o Ning deveria ter começado pelo menos uns sete meses antes).  Luiz Paulo tentou importar a rede mobiliza (um fracasso total, senão como um lugar de trolagens e mais trolagens). Assim os candidatos se resumiram a orkutizar as suas mensagens. Poucas campanhas usaram das estratégicas do ciberativismo, mobilizando via DM, estabelecendo relações offline a partir do online, tudo ficou muito no script. Resultado: nenhum debate consistente na internet. Só troca de “obrigados e valeus”. Contudo, essa possibilidade de dizer o que pensa e afirmar algo sem qualquer intermediário faz-nos parabenizar os políticos e os seus assessores que fizeram uso de diferentes redes sociais. Mas houve baixíssima conversação com os eleitores online. As redes sociais foram muito mais usadas como estoque de informação do que fluxo contínuo de informação. Mas tudo bem, é um começo. Na próxima, com certeza, teremos mais novidades. O convívio permanente com a sociedade já deixaram os políticos suscetível às visões distintas de mundo (sobretudo, eles se colcoaram em estado permanente de controle da sociedade. Isso é muito bom). E todo político se acostumou a ficar checando as menções, os comentários e as curtições. Estão viciados nisso agora. Sobre facebook e Orkut, o destaque foi para os eleitores, que arregassaram as mangas e apoiaram deveras seus candidatos. Aqui, existe outra grande fonte de historiografia para ser feita, para entender as motivações que levam às pessoas a erguer suas bandeiras digitais.

10. Os anúncios da vitória e da derrota.

Até daqui a pouco, lá para às 20h, vamos ver os primeitos tweets e fotos, vai sair tudo primeiro na internet, como manda a vida nesse novo século.

PS1: o grande erro das campanhas: focar a comunicação apenas a quem já havia se decidido pelo candidato. Acabou o candidato falando pra quem quem já estava careca de ouvi-lo. Na próxima eleição, o desafio é chegar mais nos outros graus de comunicação.

PS2: daqui a dois anos, na capital, talvez teremos um novo tuiteiro, o governador Paulo Hartung, um cara que tem todo perfil para estar nas redes e, não sei por que, se ausenta delas.

Ps3: a imprensa influenciou muito pouco, pouquíssimo.

A censura ao Twitter e a inquisição que “resiste” na Ufes

“Todos nós temos poder no corpo” ( Michel Foucault )

El desarrollo del maquinaria revela hasta qué punto el conocimiento o knowledge social general se ha convertido en fuerza productiva inmediata, y, por lo tanto, hasta qué punto las condiciones del proceso de la vida social misma han entrado bajo los controles del general intellect y remodeladas conforme al mismo.

(Karl Marx in Grundisses)


Estava no Twitter. Relatava um debate público. Sua rede retuitava alguns dos seus comentários, que eram expressos como manda a Constituição: com seu Nome Próprio. Mais tarde, a patrulha bateu à porta. Em reunião de departamento, na Universidade Federal do Espírito Santo, foi acusado de – por causa dos seus tweets e os da sua rede – ter sido responsável pela imprensa ter descoberto a dissidência que ocorrera no debate público. Como se sabe, no Twitter, e esse é o barato total, todos se tornam imprensa. E a velha imprensa, quando se pretende atualizar, entra no circuito da rede tornando-se público e imprensa ao mesmo tempo. “Confessa. Não se faça de vítima. Foi você que embasou à imprensa. Estão aqui seus tweets e os de seus amigos que comprovam”, dizia, na reunião, um inquisitor dos novos tempos.  A seção de assédio moral foi totalmente montada. Em uma reunião na universidade, há sempre professores e estudantes. Os estudantes foram convidados a se retirar, um estupro às normas universitárias. “Mas nós vamos saber o resultado dessa reunião como?”, indagava um aluno. Eles queriam participar do controle social, mas foram retirados de cena. A partir daí, um grupo, de posse dos tweets, começava a sessão típica do velho autoritarismo brasileiro: “Confessa! Você não é da nossa turma. Pensa diferente. Confessa que foi você!”. O tuiteiro, sem saber, dizia: “vocês querem que eu confesse o quê? Qual é o ato ilícito de produzir comentários de debates públicos via Twitter?”. O grupo continua: “Se não foi você, foi você”, apontava o dedo para outro:  “naquela reunião você discordou da gente”. O segundo “acusado” diz: “você vai ter de afirmar isso em juízo”.  A reunião termina. Resultado: possibilidade de inquérito administrativo contra aquele que tuitou um debate público dentro da Universidade Federal do Espírito Santo. A abertura ou não do inquérito vai ser votado na próxima segunda. Possivelmente o inquérito não vai ser aberto. Um: o tuiteiro fez registro de uma atividade pública, divulgando um conflito de ideias no seio de um grupo social, algo que todo santo dia ocorre, inclusive no Supremo Tribunal Federal.  Dois: a possibilidade de inquérito foi deliberada ferindo todas as regras universitárias e todos os tratados de direitos humanos, no velho estilo “confessa senão morre”. E se o inquérito for aberto, vai ser aquele mico nacional, quiçá, internacional.

Para além do assédio e de ilações que conduzem a difamação e tutti quanti, a ação desse pequeno grupo de professores desse departamento da universidade revela a impaciência quanto à diferença e à produção de um espaço público amplo. Impaciência típica de gente que gostaria de ser stalinista, mas perdeu essa oportunidade história. O que resta de pravda só existe plantada como uma raiz nas cabecinhas que adoram a metáfora do sol. A contrapelo, a nova geração de professores da Ufes tem aquilo que muitos de seus pares gostariam de ter há 20, 30 anos: meios de expressão com larga abrangência a um clique. Uma geração inteira de professores universitários teve que engolir sapos de pequenos grupos autoritários, que alcançando o poder departamental, fazia uma espécie de perseguição a todo um outro que ousava dissedir (no sentido fonético também daquele outro verbo). Contudo, como um vírus do mal, aqueles que antes eram objetos da dominação, ficavam à espreita, esperando o dia nascer feliz e chegar logo a sua hora de assumir o poder, para fazer o mesmo com a outra geração que chegava ao recinto. Era uma espécie de ciclo sádico do poder universitário. Não se tinha a quem recorrer, senão ao próprio poder de cima, o que significava pactuar com o pessoal desse andar do alto, para além do bem e do mal.

Mas, depois de 89, as coisas começaram a mudar. Caiu o muro e produzimos um estado de direito. Mas também surgiu a web. E, quando uma maioria se arvora do direito, é na internet/web que vocalizamos primeiro a reconquista do direito. O ativismo, desde os neozapatistas em 1997 e de Seattle em 1999, já afirma que uma transformação social se faz usando a capacidade coletiva de comunicação global em rede.

O caso na Ufes é velho conhecido para quem agora acessa a internet e quem há muito tempo se comunica através da imprensa. Em geral, ninguém quer que suas convicções sejam questionadas. E menos ainda quando, ungido de um poder constituído, ver a verdade desse poder ser desconstruída. Porque a verdade do poder é a norma. Siga a norma e se submeta. É aquilo que Foucault dizia, num tom pra lá de irônico: “Todos nós temos fascismo na cabeça”. Na prática, a internet permite que a verdade não se torne homogênea, porque faz ativar todo um conjunto de poderes expressos em milhões de corpos enredados. Não há poder que perdure e não há verdade que se eternize na internet, como era nos velhos moldes da massa, do partido à imprensa. O poder em rede não se manifesta como um contrato (no sentido liberal) e nem como uma propriedade (no sentido marxista). Daí que toda uma série de casos passa empurrar as narrativas rizomáticas para aquilo que o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto lindamente arguiu: a internet é o espaço da liberdade absoluta. A internet é um dispositivo genuíno de direitos humanos.

Alguns poderiam refutar: mas a internet rompe com o privado, tornando tudo que é íntimo, público. E o perigo da publicização exacerbada da vida é repetir aquilo que a internet diz ter superado: a verdade ser construída a partir de um poder massificado em rede. Assim, travestido de aura resistente, a quantidade de reTweets, a quantidade links trocados, a quantidade de comentários, a quantidade de atualizações, a quantidade de curtições, faz valer um poder de “pequenas maiorias” que produzem verdades universais. É verdade, há todo uma prática de pequenos Berlusconis da rede que, em busca de fama, muito dinheiro e má-fé, querem fazer da produção coletiva apenas efeito especial. Conjugado a esses pequenos, há todo uma cultura imersiva dos dispositivos web 2.0 que atiçam a repetição de bordões, preconceitos e lampejos do espetáculo midiático.

Contudo, é como cantava Jim Morrison contra o moralismo dos 60, “vocês têm o poder, mas nós somos em maior número”. Nessa levada psicodélica, pipoca na rede a dissidência. E os novos conflitos e lutas fazem da internet o seu principal locus de difusão. O caso das eleições brasileiras de 2010 é exemplar. O que há de mais interessante nelas não é a narratologia da história vencedora, que é uma chatice sem tamanho que se tem muita resistência em acompanhar (só para lembrar que a maioria da população não assiste ao programa eleitoral televisivo). Uma nova história política é praticada em inúmeros #foramagnomalta, #pergunteaoserra, #dilmabyfolha, #safadezoculta, enfim, constituindo-se como um conjunto de histórias não programadas pelos marketeiros das campanhas, com suas taras por #ondas #votenúmerotal. Essa é uma “nova história”, feita por muitos, mas que ainda não chega a todos, sem dúvida. Mas ela está aí, registrada, e é ela que vai sobreviver, acredito. Histórias que demarcam um corte com aquela sociedade brasileira de 89, que tinha um canal de TV com um jornal nacional, com share de quase 80% durante o debate Lula x Collor. E hoje, o mesmo canal transmite o debate presidencial tentando manter um share de 40% (competindo com as verdades dos internautas, que se antecipam às edições jornalísticas e publicam suas impressões do debate televisivo, em tempo real, no Twitter). O que mudou nas nossas vidas de lá pra cá senão a existência dessa possibilidade ímpar de termos acesso a mil outras verdades, a mil outros sujeitos? Não é à toa que a emancipação social só se faz dentro do comum e toda imanência conflitiva que é viver em uma democracia. Isso está conosco e ninguém tira. E é uma pena que alguns colegas professores universitários não se inspirem naquilo que vêem seus filhos/netos fazerem diariamente: comunicar suas posições, através também daquele computadorzinho maldito (só para lembrar que a verdadeira opinão pública do #fichalimpa nasceu da internet). Não retire da gente o que a gente herdou das lutas democráticas.

Dizem que, na reunião desse departamento universitário, alguém lembrou: “gente, esse é um caso de polícia” (lembrei de Gramsci na hora quando soube disso: polícia x política). Depois, na internet, ao saber do caso, alguém sentenciou, em tom de humor: quem tuitar na Ufes vai parar nos contêiners de Novo Horizonte, na #masmorraes. É isso. É preciso libertar as #masmorrases que perduram nas cabecinhas de muitos de nós.

PS: não citei o departamento da Ufes porque todo registro da reunião ainda não foi trazido a público. Na Universidade, as atas devem ser aprovadas pelos pares, no departamento. Logo, já se viu, né? Esta semana terá uma longa negociação por lá para fazer publicar uma ata que não responsabilize ninguém pelo assédio moral. Por isso que repito, reunião pública do Estado poderia ser transmitido em tempo real, para aumentar o controle social estatal.

PS2: #masmorraes foi um movimento organizado na internet, através do Twitter, denunciando a não publicação da nota “As masmorras de Paulo Hartung”, de Elio Gaspari. A nota seria veiculada numa edição de domingo, no jornal local A Tribuna. O conteúdo da nota era a denúncia do estado infame do sistema carcerário do ES. Através do Twitter, usando a hashtag #masmorraes, os usuários (com protagonismo do professor da Ufes @VictorGentilli) divulgaram todo tipo de material possível sobre as prisões do estado, de vídeos a fotos, de artigos a relatórios. A imprensa local, calada há tempos sobre o assunto, teve que prontamente atender o movimento da rede, publicando o que ocorria nas prisões do Espírito santo. O movimento #masmorraes ainda derrubou a popularidade do candidato do governador Paulo Hartung, Ricardo Ferraço, à sua própria sucessão. O governador abandonou seu candidato, numa reviravolta política das mais malucas no estado, e apoiou aquele que era seu opositor, o senador Renato Casagrande, que o governador tentou, como dizia a crônica política da época, desidratá-lo o tempo inteiro.  Casagrande (PSB) vinha à cena com toda pinta de independente e com uma presença digital que nenhum outro candidato se orgulhava em ter. O senador deve se eleger com cerca de 60% dos votos e é reconhecido por ser uma liderança histórica na defesa dos direitos humanos. E o #masmorraes talvez tenha sido o fato mais importante para as decisões políticas que envolveram a eleições ao governo do estado em 2010.

PS3: sou parte da rede que retuitou o debate do docente desse departamento. Faço retweet todos os dias e agora sei que o retweet é coisa séria, “assunto de polícia”. #safadezaoculta é isso acontecer comigo. #medo

Ps4: descobri que a inquisição universitária foi articulada por dois professores, eles passaram a manhã inteira imprimindo os tweets e os retweets para levar para a reunião, como se fosse a Polícia da Sociedade do Controle (P-Soco). Esses dois professores têm perfil no Twitter. Mas não gostam de dar Retweet. E falam coisas do tipo, refundar utopias, luta contra-hegemônica, anticapitalismo e tudo mais. Gramsci e Marx não devem estar gostando nada dessa vulgaridade.

Howard Dean, o pioneiro da Política 2.0

A política 2.0 não começou com a campanha de Obama. Quatro anos antes, em 2004, Howard Dean inovou com sua campanha política de nicho: forte uso do Meet Up, sinceridade ao extremo (mostrando suas convicções, como crítica a ocupação norte-americana do Iraque) e a estratégia de estímulo à doação de dinheiro pelos eleitores (através de pequenos valores).

Há três anos, no Laboratório de Estudos de Internet e Cultura, na Ufes, debatemos a introdução do livro A revolução não será televisionada, de Joe Trippi, que conduziu a campanha de Dean {mais tarde também a de John Edward, que abandonou as prévias democratas, vencidas por Obama).

Atrás da cortina dessa política negociada, as campanhas se tornaram mais venenosas, mais conscientes do poder da mídia, mais tecnologicamente avançadas, mais caras, intensas, longas, maiores e mais fortes em todos os aspectos, exceto um. Em algum lugar do caminho, eles perderam os eleitores.

Quer conhecer mais a experiência de Dean? leia a tradução livre da ótima introdução do livro de Trippi. {tradução de Maria Elisa}