A biopolítica e a inflação das liberdades (Dossiê Negri/Foucault – I)

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“Em Foucault, encontramos não somente uma definição do biopoder que retoma e históriciza as análises da Escola de Frankfurt, mas também a definição de uma biopolítica ativa e a demonstração progressiva de um processo de produção das subjetividades, capaz de transformar os sujeitos em suas relações com o poder, como também o próprio poder” (Antonio Negri, em A fabrica de porcelana).

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O conceito de biopolítica nasceu no curso que Michel Foucault ministra no College de France, intitulado “Il Fault Défendre la Societé”, de 1976, traduzido no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 1999, com o nome de “Em Defesa da Sociedade”. A primeira aula deste curso é formidável, com Michel Foucault trazendo ótimas indagações sobre o conceito de poder. E ainda demonstrando a sua hipótese: a guerra é o fundamento da sociedade civil. Durante todas as aulas se verá um Foucault que faz uma espécie de arqueologia da guerra, para se chegar ao racismo e a luta de classes como os principais fenômenos da guerra no âmbito da sociedade política.

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o conceito de biopolítica/biopoder: o governo da população

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Em todo trabalho do filósofo francês, biopolítica e biopoder serão termos sinônimos. E servirão para revisar suas teses sobre o funcionamento do poder. Antes voltado ao disciplinarmento dos corpos, o poder se transmutaria a partir do momento histórico (final do século 18) em que a produtividade social advém da aceleração dos fluxos sociais e econômicos.

Foucault usa a metáfora das cidades para explicar esse processo. Para ele, a filosofia fisiocrática fez ecoar no Ocidente a visão de que a produtividade se conforma na produção livre de fluxos econômicos e sociais. Assim, os poderes locais passam a não mais ter como missão a proteção territorial. A soberania, antes, associada à conquista de novos territórios e na capacidade de mantê-los intactos ao seu poder, se transmuta com o desenvolvimento da “cidade-mercado”: agora deve derrubar qualquer barreira territorial para fazer fluir a economia. O fluxo de pessoas, moedas, mercadorias, ideias, crenças, será ainda mais praticado com a propagação dos ideais liberais, acarretando uma metamorfose no objeto fundamental do governo da cidade. Agora é a “cidade-mercado” que florescia, de forma paulatina, carregando consigo um novo modo de governo, que garantia o comércio interior/exterior, controlava o (a)fluxo das populações errantes e nômades e monitorava, através da demografia e da medicina social, os comportamentos populacionais no território.

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