O #protestoemVitoria e a política do comum

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É na reivindicação que se encontra a origem do verdadeiro pacifismo” (Antonio Negri).

“Um partido já não vive de sua representação, mas de sua capacidade de ser movimento” (Antonio Negri)


Manifestantes do #protestovitoria fazem assembleia na Ufes. Foto: Izaias Buson

Durante o mês de maio, nos muros da cidade de Vitória/ES, podia-se ler: “Dia 02/06 a cidade vai parar”. Era um teaser. Igual a esses que os publicitários preguiçosos gostam de fazer, do tipo: “O  shopping preparou uma novidade para você”.  Contudo,o teaser de maio tinha assim um tom mais de ameaça. mas ninguém se importou muito com ele. Até que às 8h da manhã, da última quinta-feira, Vitorinha realmente parou. Deu tela azul. Travou. Um grupo de manifestantes radicais fez uma barricada de pneus queimados, numa avenida que corta o Centro da Cidade.

A cena era dura ao poder, pois que a manifestação estava em frente à escadaria da sede do governo estadual. Como nômades, não se sabia quem eram aqueles “estudantes” que não deixavam nada passar. Só se sabia que protestavam a favor do passe livre e pela redução da tarifa de ônibus. Até às 13h, não se tinha acordo para dar fim ao protesto. E o trânsito, no lado Sul da ilha, continuava do mesmo jeito: imóvel. Daí, o governo decidiu agir: mobilizou o Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar, que, à base de bombas, tiros de bala de borracha e cacetetes dispersaram, em segundos, os manifestantes. O evento foi acompanhado ao vivo, pela TV Record, através de um de seus programas locais mais populares. Numa acepção estatalista, estaria agora tudo resolvido. Trânsito livre. A força do Estado serve para manter a ordem e a paz perpétua.

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A Batalha do Anchieta

Mas, ao contrário, a “Batalha do Anchieta” estava apenas começando. 30 minutos após a ação policial, surgia no Facebook e no Twitter uma convocação estudantil para às 15h, em frente à Universidade Federal do Espírito Santo. Objetivo: protestar contra o uso desmedido da violência pelo governo estadual. Agora entrava em cena não mais os “radicais”, mas aquele fenômeno típico da rede: “tamujuntomisturado”. O Batalhão foi novamente acionado. O tratamento foi ainda pior. As imagens dos policiais jogando bomba de efeito moral DENTRO da Universidade e de prisões arbitrárias geraram efeito inverso para o “governo de esquerda” do ES. Uma enxurrada de fotos, vídeos e testemunhos ao vivo do acontecimento se alastrava na internet. Mas, desta vez, a comunicação possuía um “corpo social”. Saía de cena o exibicionismo típico das redes sociais para a inflação de visibilidade da política que só a rede hoje é capaz de criar. Saía de cena o marketing pessoal dos profiles, com sua chatice de videozinho pra cá e devaneios psicologizantes pra lá, e entrava na casa da gente todo tipo de revolta compartilhada.

Mesmo reprimidos, os estudantes novamente se organizaram. E marcharam rumo a 3a Ponte (liga o município de Vitória a Velha, cobrando alto pedágio dos cidadãos para isso).Lá o confronto foi pior. E os registros que chegavam eram de assustar pela violência policial, enquanto os estudantes, pacificamente, se manifestavam. Em troca, o revide, na rede, foi a manutenção de um exército de ciberativistas que mantinha a tag #protestoemVitoria como o assunto mais tuitado no Brasil. Em poucas horas, a tag entrou para o clube seleto dos Trending Topic Wordwide. Chegava no mundo inteiro.

Na mesma noite, um novo protesto estava sendo convocado em rede para o dia 03. No final da tarde de sexta-feira, o estacionamento do Teatro da Ufes estava abarrotado de gente. Agora o movimento contava com o apoio de professores e funcionários da Ufes, e de diversos movimentos sociais da capital. Enquanto isso um excessivo contingente policial cercava toda a cidade, com sua cavalaria, viaturas, caminhões e muito munição de bala de borracha. Tudo registrado por anônimos, que, dos seus celulares, publicavam fotos e vídeos dos locais por onde os estudantes passariam, mandando alertas para os manifestantes. A passeata contabiliza cerca de 5 mil pessoas. Daí a relação de força virou. A policial foi retirada das ruas. E todo protesto ocorreu pacificamente na praça do pedágio da Terceira Ponte, onde foram liberadas as cancelas para o trânsito fluir livremente. Os rumos desse movimento político é, neste momento, indeterminado.

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O #protestoemVitória e a política do comum

O #protestoemVitoria possui uma composição social nova. É formado, de um lado, majoritariamente por uma juventude crítica da nova e da velha classe média, agora conectada em redes sociais; e, de outro, por uma classe de trabalhadores precarizados e submetidos à economia imaterial (essa em que atender bem o consumidor, gerar informação e colocar a alma no trabalho é fundamental). Desde há algum tempo, essa turma engrossa a tese de que o sistema político brasileiro está apodrecido. E que o desenvolvimento do país é limitado pela corrupção generalizada; pela transformação dos partidos em “caciquismo”; pela política clientelista de cargo e trocas de favores, amplamente internalizada na máquina de todos os partidos que administram o Estado; pelo marketing político que oblitera a franqueza, dando visualidade ao político desqualificado; ou mesmo pela impotente atuação dos setores mais reacionários da sociedade, com seus discursos e palavras de ordem do século XIX/XX (“livre mercado pra tudo” ou “estado stanilista  para todos”). Enfim, há a cada dia que passa um acúmulo de indignação por esse distanciamento da representação da fonte da própria democracia, a multidão. E isso, diariamente, a gente percebe nas redes sociais, tornadas o veículo catártico dessa multidão.

Num mundo em que a circulação é a condição da própria produtividade social, cujo valor se mede na quantidade de trabalho imaterial inscrita nas mercadorias, não é difícil prever que o “direito de ir e vir” se torna um dos campos de maior ocupação pelas novas lutas sociais (queremos um aeroporto novo ou queremos passe livre, bradamos!). E é dentro desse desejo de circulação livre (ou pela cidade, ou tendo acesso à internet), que muitos movimentos brotam. E com uma particularidade que assusta a ortodoxia liberal ou a marxista: como pode um movimento ser feito sem partidos e sindicatos?

Em grande parte, essa possibilidade deriva da própria incompreensão que esses atores possuem sobre o próprio momento histórico. Hoje o “horário depois do expediente” explica mais o trabalho do que o relógio dentro da fábrica. Esse tempo da reprodução é que demonstra que não há diferença no trabalho de um mestre de obras para o executivo da construção civil. De ambos é exigido o tempo inteiro a conexão pelo telefone celular, de ambos é exigido o tempo inteiro formação continuada, de ambos é exigido o tempo inteiro capacidade de comunicação, criação, trabalho em grupo, empreendedorismo, networking, fidelização de cliente, atendimento e técnicas de negociação, enfim, toda sorte de competências que são adquiridas mais na cidade do que no escritório. E, na prática, a diferença salarial entre eles se calculará pela herança escravagista que cada qual possui mas, sobretudo, pelo grau de acesso à comunicação social e aos serviços públicos que ambos estão imersos. É por isso que no #protestoemvitoria tem menino do Colégio Darwin e menino do Colégio Estadual juntos. Tem juntos Sol na Garganta do Futuro e MC Roleta. Porque ambos querem banda larga, ambos querem passe livre. Não para vadiar, mas para produzir.

Nesse sentido, é a “assistência social” o próprio núcleo duro por onde passa a velha relação capital/trabalho hoje. Assistência social, como sinônimo de uma política que dê acesso aos bens comuns para autovalorizar o trabalho (e com isso este ganhar autonomia perante a qualquer empregador). É a política social a dimensão mais importante de qualquer desenvolvimento econômico. Lula, queiramos ou não, comprovou isso. É só checar as novas demandas sociais: universalização da banda larga; passe livre como vetor de desenvolvimento da juventude, políticas de geração de trabalho e renda; criação de redes de produção cultural independente; telefone e luz para todos; acesso generalizado à graduação e à pós-graduação públicos (hoje os valores das faculdades privadas são exorbitantes); liberalização das drogas como combate à violência urbana; fortes políticas de desenvolvimento que articule saber local, alta tecnologia e sustentabilidade ambiental; fim dos pedágios e das cobranças pela livre circulação na cidade etc.

Vejam: o trabalho hoje demanda uma nova política democrática, que ultrapasse à ideologia da “exclusão dos excluídos”, e que note que a “exclusão” é barreira sistêmica para o novo capitalismo funcionar. Quanto mais excluídos, menor é o valor. É por isso que a população toda tem celular, mas não tem dinheiro pra pagar. É o modelo de inclusão que é o objeto de conflito. Caiam na Real!!!! Quando a política hierarquiza trabalhador em “pré-pago” e “pós-pago”, a democracia se fragiliza. E o protesto brota. Porque não adianta ter Petrobrás no Espírito Santo, se a maior parte dos “empregos inteligentes” ficará fora do Estado, reproduzindo a hierarquia de desenvolvimento nada sustentável.

Portanto, o #protestoemvitoria é um sintoma de que o sistema político, no lugar de incorporar, se fecha às novas demandas sociais. E mesmo quando quer incorporá-las, vê-se limitado pela própria matriz partidária que possui: na ponta esquerda, com o seu “incluir os excluídos”; ou, na ponta direita, com seu “trabalhar para pagar”. A luta contra a pobreza será em vão se ela não abarcar essas novas demandas sociais, tornando mais sólidas e autônomas as políticas de inclusão.É preciso agora produzir uma política para os “incluídos excluídos” e para os “excluídos excluídos”. Tudojuntomisturado.