4 motivos para escrever, por George Orwell

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Num texto ótimo, George Orwell afirma que todo escritor possui quatro motivos para escrever em prosa. Esses motivos existem em diferentes graus em cada escritor. Para mim, sua teoria vale nao somente para escritores profisionais, mas para blogueiros de todo tipo. Orwell confessa que seu ponto de partida é sempre um sentimento de partidarismo ou de injustiça. “Quando me sento para escrever um livro, eu não digo para mim mesmo: ‘Eu vou produzir uma obra de arte’. Escrevo porque existe alguma mentira que eu quero expor”. Massa! Seguem aí os quatro motivos presentes em qualquer escrita literária.

1. O egoísmo (eu sou muiiiiitoo importante para o mundo).

Desejo de parecer talentoso, de ser comentado, de ser lembrado após a morte… Os escritores sérios, eu diria, são mais vaidosos e egocêntricos do que jornalistas, embora menos interessados em dinheiro.

2. Entusiasmo Estético. (todo mundo que escreve carrega palavras que chamam e lhe apelam)

A percepção da beleza no mundo exterior, ou, por outro lado, em palavras e seu arranjo correto. Prazer no impacto de um som em outro, na firmeza da boa prosa ou no ritmo de uma boa história. Desejo de compartilhar uma experiência que se sente que é valiosa e não deveria ser desperdiçada.

3. Impulso histórico. (meninos, eu vi. E foi assim)

Desejo de ver as coisas como elas são, para descobrir os fatos verdadeiros e guardá-los para o uso na posteridade.

4. Propósito político. (esse é o melhor caminho e não pense desta maneira, mas desta)

Usar a palavra “político” no sentido mais amplo possível. O desejo de conduzir o mundo a uma certa direção… Mais uma vez, nenhum livro é genuinamente livre de viés político. O parecer de que a arte não deve ter nada a ver com política é em si uma atitude política.

A narração na web 2.0, a emergência de um novo gênero

Web 2.0 story-telling: The emergence of a new genre (em pdf), de Bryan Alexander and Alan Levine, é um bom artigo para quem busca maiores informações sobre narrativas digitais e a web 2.0 . O texto mostra que padrão de como uma história se conta está a mudar. A velha perspectiva da sucessão, cuja forma primordial é o “começo, o meio e o fim”  cede terreno para uma narração cross-media, participativa, exploratória e labirintíca.

Vale à pena ler (em inglês).

Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia

Esse é o título do artigo que escrevemos, eu e o Henrique Antoun (UFRJ), publicado no número atual da Revista Famecos (artigo em pdf). O texto cai como uma luva para quem precisa analisar os movimentos pós-wikileaks, sobretudo a luta imanente entre os poderes que constroem e destroem a liberdade na internet.

Esse artigo visa, em retrospectiva, analisar os fundamentos políticos que regem os discursos de liberdade que são disseminados pelos atores que constroem a internet de hoje e de ontem. Esta análise visa extrair um modo de compreender a economia do poder em disputa, instaurada pelos diferentes atores em conflito da sociedade em rede. Para tanto vamos avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos, entendidos como laboratórios dessas disputas. Desta avaliação vai emergir que as novas narrativas multitudinárias vão fazer a passagem do modelo informacional das mídias, que privilegia a acumulação quantitativa proprietária de elementos, para o modelo comunicacional das multimídias, que privilegia a coordenação da ação coletiva nos movimentos.

A narrativa nas redes sociais da internet

Artigo publicado no livro Princípios inconstantes, editado pelo Itaú Cultural, e depois ampliado para publicação na Revista Lugar Comum.

Fábio Malini
(o artigo abaixo é apenas uma parte do texto original )

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1994. Após um ano em que Tim Berners-Lee apresenta ao mundo o seu projeto World Wide Web, a internet começava a mudar. Até então ela havia se tornado numa espécie de rede intergaláctica de cientistas, nerds e de usuários que se divertiam através das bulletin board system (bbs), comunidades virtuais onde se liam mensagens – sob um fundo preto chapado – sobre diferentes temas, de acordo com o gosto do freguês. Tudo era feio e simples. Porém, muito divertido. As bbs podiam ser criada por quaisquer um que se arriscasse a pegar a sua poupança, comprar uma linha telefônica, um computador Pentium 386, baixar o software spitfire, ficar dias lendo tutoriais, para até chegar o grande momento em que criava online o seu “clube bbs”. Para se conectar a ele, cada sócio pagava uma graninha, que geralmente era revertida na compra de equipamentos para tornar ainda melhor a performance da rede. Nessa internet de raiz, todo mundo podia ser, em tese, uma UOL, um Terra, uma AOL.

Contudo, as bbs se foram. E, com a popularização da web, em 1994, logo surgiu o site. Agora era mais atraente ficar num chat animado – e com design em cores – do que ficar naquela tela preta do DOS, com sua chata interação através de comandos de teclado. E foi em 1994 que um caboclo chamado Justin Hall, estudante de jornalismo em São Francisco e estagiário da revista Wired, decidiu publicar em seu site,  Justin´s Link, relatos da sua vida cotidiana. Escrevia coisas como o suicídio do pai até às suas aventuras amorosas através desse log (diário) virtual. Hall criava a partir dali um dispositivo de escape para uma solidão típica daquele ano recheado a Guerra da Bósnia, eleições na África do Sul e genocídio em Ruanda. Mais. Ele criava uma forma de constituir uma presença online, estabelecendo relações entre aqueles que compartilhavam e consumiam vida através, agora, da web. Porque a web, diferente das bbs e sua noção de clube, onde entra quem pode e quem curte “aquele” tema, é um ambiente totalmente aberto, totalmente público.

blog: onde tudo começou

Essa publicização da intimidade revelava um caminho catártico de constituição de si. O site de Justin trazia vida real a ele, mesmo que, na aparência, fosse ele que levasse a sua vida real aos outros.  Foi imediato o aparecimento de toda uma comunidade virtual em torno dos seus relatos. Era aquele devir bbs, de compartilhamento de ideias, de interação mútua e de participação, que se afirmava agora numa cultura nova, baseada no mito da transparência total. Justin Hall tornava-se ali o pai fundador do diário virtual.

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a hashtag narrativa: mídia, twitter e colaboração no caso #chuvaNoES

“@henriiquedias: aqui em Vila ‘Veneza’ está pior que terra sem lei, carro na contra-mão, xingamentos e por ae vai. #chuvaNoES”. Twitter for Iphone. 18/11, 22:11

O estado do Espírito Santo, sobretudo a região metropolitana de Vitória, a cada ano, é “surpreendido” por tempestades que trazem inúmeros transtornos públicos (alagamentos, isolamentos de bairros, desmoronamentos, etc). Com frequência, a cidade de Vila Velha é a que mais sofre com essas chuvas, em parte explicado, devido a um investimento tímido em políticas de saneamento básico na cidade, de outra, derivado do isolamento político praticado pelo governo de estado até há pouco tempo.

No ano passado, as chuvas foram tão intensas que, cansados de ver seus dramas serem repetidos em páginas de jornais, os moradores da cidade fizeram o movimento #choravilavelha no Twitter, com a publicação de inúmeros relatos e conteúdos sobre os estragos das águas de novembro. Em artigo, mostrei que o #choravilavelha inaugurava a narrativa participativa p2p no estado, ajudando a formar uma sociedade civil blogueira e tuiteira no ES.

Um ano se passou. E novembro de 2010 faz muito calor. Poucas chuvas. Mas a que aconteceu na última quinta, 18, ninguém vai esquecer, não. Marca principal: ventos chegando a 110 km/h, muita água, trovoadas e prejuízos. A cena dessa anomalia, você, leitor, já deve imaginar. Se não, está tudo registrado na timeline da hashtag #chuvaNoES. Foram quase 2 mil tweets sobre o tema, compartilhados por centenas de usuários da internet.
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Mayara Petruso e a liberdade de expressão na internet

Passado uma semana do fim das eleições presidenciais, o caso Mayara Petruso já caiu no esquecimento. Mas relembrar é viver.

Logo após anúncio da vitória de Dilma Roussef, no dia 31 de outubro, enquanto os eleitores petistas comemoravam, uma onda raivosa na internet associava a vitória de Dilma aos votos que recebeu dos nordestinos. 7 em cada 10 votos da região Nordeste foi para a candidata do “cara”, que obteve 56% dos votos válidos. A ciberonda anti-nordestina era o retrato fiel á dupla operação midiática dessas eleições. Por um lado, a imprensa nacional passou quase um ano com o meme “o nordeste vai ser o fiel da balança eleitoral”; por outro, a candidatura de José Serra pautava uma agenda política (o medo, a moral e a família) conjugada a uma virulenta campanha de disseminação de trolagens virtuais e telefônicas das mais baixas contra a candidata do PT, levado a cabo pelo vice, Índio da Costa, e pelo marketing online tucano, com seus bots spammers. Esses dois fatores acabaram servindo como ingredientes para liberar geral os eleitores conservadores mais radicais. Foi aí que Mayara Petruso apareceu e disse (e depois foi amplamente combatida e detonada na própria internet):

Nordestito não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado. Mayara Petruso.

Mayara Petruso externalizava aquilo que “estava no ar” já algum tempo: o ódio contra o voto dos pobres, principalmente o dos nordestinos. E ela acabou por servir de bode expiatório para toda uma cultura ventilada no período, denunciada pelo ótimo artigo de Maria Rita Kehl, no dia das eleições do primeiro turno. A reação rápida contra Petruso na internet (seu nome foi assunto mais twittado no mundo, em determinado momento) deu o tom da polarização Serra x Dilma. Mais discursos odiosos surgiram na rede, agora, contra Petruso, que logo se deletou da web. Sumiu, virou poeirinha de bits. Mas a máquina raivosa ficou presente, polarizada. Naquele instante, o Eu Mayara – aquele cartesiano – foi-se da internet. Mas a máquina odiosa, onde Mayara se instalou para produzir seu discurso, continuou de pé, presente na cabecinhas daqueles que pensavam, sob a égide de um distanciamento e de uma crítica da realidade, que seus enunciados eram construções autênticas de uma consciência plena de si, quando, na prática, ao reproduzir o dito do regime secular de poder da produção de opinião no país, só fazia repetir uma variedade de enunciados que dizia que tudo era culpa do nordeste. Pois que, por um lado, a crônica política conservadora dizia com todo afinco que o Nordeste seria o causador do crescimento eleitoral de Dilma, levando a todo tipo de argumentos mais simplistas, do tipo: quanto mais se é pobre e com pouca escolaridade, mais se vota com o governo de Lula. Logo, o Nordeste é Dilma; como se o Brasil fosse amplamente desnordestizado no Sul e dessudestizado no Norte e Nordeste. Essa era uma crítica fina da crônica política, imagina! E, de outra parte, essa máquina incitava a negativa contra aqueles que decidiam seu voto no interior da “concepção nordestina” do voto, isto é, na libertação daquela posição escravocrata de resignar-se ante aos poderosos, afirmando a sua visão de mundo. 56% dos votos válidos expressaram essa potência nordestina para além da política do medo, do preconceito e da moral difundida pelo outro lado.

Para quem entende um pouquinho de internet sabe que nenhum perfil é isolado. Ninguém está sozinho numa rede social. Ele está conectado a outros, dentro de um mundo específico, numa zona de conforto, onde aquele que escreve comunica-se para “pares”, que recebem, em geral, bem o seu discurso. Quando há dissidência, com frequência, ela é respondida. E se a discordância teima em existir, o usuário no Twitter bloqueia a oposição, quando não “unfollow-na”. Se houve um efeito colateral dos piores nessas eleições foi o usuário-eleitor ter percebido que sua timeline ficou todinha homogênea. Éramos produtor e consumidor de uma rede homogênea de enunciados. Estávamos numa tautologia das mais perigosas, a rede política experimetava aquilo que geralmente os jornalistas vivem diariamente: a agonia em verificar que os jornais vivem em um mundo só; e que a repetição é a forma mais difundida de se criar a verdade dos fatos . Eu me supreendi, por exemplo, no day after, em ver que minha timeline estava um tédio só, com um monte de gente repetindo bordões e palavras de ordens pró-Dilma, candidata em quem eu votei. Comecei, a partir daquele momento, a entrar em, e se filiar a, outros mundos para sentir toda pluralidade que faltava à minha rede. Nesse sentido, todos nós tivemos um pouco de Mayara Petruso nas nossas cabecinhas. Não no sentido de incitar o racismo. Mas de ser impaciente com a dissidência, com o ponto de vista contrário. É claro que nem toda dissidência significa uma abertura à possibilidade de uma dialogia, tampouco nos faz tolerantes a racismos, moralismos e ódios de classe.

Agora o curioso foi um movimento muito estranho: o de imputar a Mayara o status de criminosa, por ter afirmado aquilo que muitos outros afirmavam na internet. Vale à pena ressaltar que o discurso de ódio deve ser separado de um crime de ódio. O discurso de ódio se combate com a produção de discursos de liberdade, de produção e afirmação de direitos. Ao buscar prender e arrebentar, como numa espécie de linchamento público, o que se devolve para sociedade é mais discurso de ódio. Uma coisa é dizer que vai matar; outra é matar. Em países de forte tradição da liberdade de expressão, não há impedimento/censura à circulação dos discursos de ódio, porque eles são concretos e nada velados na sociedade. Ao conhecê-los, a sociedade toma medidas para contrapô-los, na forma de discursos, ou na forma de leis. No caso Mayara, a OAB-PE entrou na justiça acusando-na de incitação pública ao crime. Não só ela, mas “todos” aqueles que twittaram algo semelhante contra os nordestinos (inclusive, tweets feitos por nordestinos). A OAB entrou na justiça para defender a raça pura nordestina contra qualquer tipo de violação racial na internet. Será que se alguém pedir a seu amigos virtuais para fumarem maconha, a OAB-PE vai denunciar o caso como incitação pública a um crime? Há aqueles que dizem que a liberdade tem limite. Sem dúvida, há inúmeras responsabilidades a cumprir quando se diz algo. Mas a afirmação do ódio, infelizmente, é regido pelas mesmas normas da afirmação do amor. E, politicamente, cada vez mais, vamos precisar de atuar publicamente na descontrução do ódio, sobretudo, o ódio de classe, num país que, nunca dantes na história, ver as desigualdades de classes se reduzirem.