Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia

Esse é o título do artigo que escrevemos, eu e o Henrique Antoun (UFRJ), publicado no número atual da Revista Famecos (artigo em pdf). O texto cai como uma luva para quem precisa analisar os movimentos pós-wikileaks, sobretudo a luta imanente entre os poderes que constroem e destroem a liberdade na internet.

Esse artigo visa, em retrospectiva, analisar os fundamentos políticos que regem os discursos de liberdade que são disseminados pelos atores que constroem a internet de hoje e de ontem. Esta análise visa extrair um modo de compreender a economia do poder em disputa, instaurada pelos diferentes atores em conflito da sociedade em rede. Para tanto vamos avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos, entendidos como laboratórios dessas disputas. Desta avaliação vai emergir que as novas narrativas multitudinárias vão fazer a passagem do modelo informacional das mídias, que privilegia a acumulação quantitativa proprietária de elementos, para o modelo comunicacional das multimídias, que privilegia a coordenação da ação coletiva nos movimentos.

Dossiê Antonio Negri e Michel Focault: (Introdução)

O Henrique Antoun me deu uma tarefa para lá de desafiante:  entender como Antonio Negri incorpora o pensamento de M. Foucault, especificamente aquele que vai de Em defesa da sociedade à A coragem da Verdade (1976 a 1981), quando  Foucault se debruça em compreender o regime de poder que ultrapassa a disciplinaridade, o biopoder:

[O biopoder] não se trata de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação. (Foucault, M. Em defesa da sociedade, p.294)

Desde então tenho revisto a obra do Negri (acho que li mais de 80% de seu amplo trabalho). E, de fato, Antonio Negri recupera o debate dos 80 de Foucault para revigorar o seu conceito de poder e, com isso, enxergar os antagonismos que se abrem  dentro do nosso mundo. Claro que nosso interesse é os antagonismos dentro da cibercultura. A partir de Foucault, o filósofo italiano toma e reiventa o conceito de biopolítica, para fincar os novos modos de conflitos políticos no interior do capitalismo cognitivo.

o poder hoje, a internet e o Wikileaks

O objetivo dessa revisão teórica (o de biopolítica) é para analisar melhor os movimentos do franco-falar (parhesia) que explodem na sociedade contemporânea, sobretudo aqueles que se tornam sujeitos contra o controle e o governo da internet. Buscar entender por que os conflitos que produzimos estão, a cada dia que passa, relacionados a tensões entre verdade e poder, entre liberdade e censura, entre narração coletiva e interpretação única dos fatos, entre controle privacidade/transparência, ao debruçarmos sobre a maneira como a Internet é contruída dentro de um campo de poderes distintos, mas todos imanentes ao modo como o capitalismo se organiza e se é antagonizado. Não há nenhum lugarzinho na rede que esteja fora da subsunção desses poderes. Nenhum paraíso virtual.

O Wikileaks talvez seja o exemplo mais dramático dessas lutas informacionais, por ser, ao mesmo tempo, a pedra detonadora do “olho do poder”, ao tornar transparente todas as armações de governos e corporações mundo à fora; e vidraça para essas organizações destruirem, à medida que elas exigem a quebra do sigilo das bases de dados da web 2.0 (Facebook e Twitter) onde se hospedam todas as conversações privadas dos ativistas do Wikileaks, abrindo a porteira para, através das leis da Democracia global, processar representantes da sociedade civil por violarem a segurança nacional dos páises e por “difamarem” as estratégias econômicas de grandes corporações. Essa é uma luta, portanto, imanente. Por um lado, o fluxo comunicacional do Wikileaks se faz dentro dos novos dispositivos de controle e regulação de imensas populações (transformadas em público participativo); por outro, é o próprio Wikileaks detonador dos poderes que financiam e alimentam esses mesmos dispositivos vigilantes 2.0.

Então, por aqui no blog, vou trazer – em alguns posts – essa relação Foucault/Negri para cumprir a missão dada pelo Henrique Antoun. :) E prometo um texto lindão sobre “Modos de censura e lutas pela liberdade na internet”.

O ativismo depois do clickativismo

Crítica direta e muito boa de Micah M. White contra o clickativismo – a maneira virtual de protesto 2.0, que funciona através da replicação de opiniões usando a estratégias de RTs, replies, menções, subscrições, “sign-ups”, curtições, hashtags, atualizações, postagens coletivas, diggagens, tudo muito próprio à cultura da visibilidade aberta pela “economia do link”. Embora a ação online possa gerar agitação (buzz) na rede, na prática, segundo o autor, o clickativismo não altera em nada a realidade, ao contrário, só faz criar uma nova forma de exercício do conformismo ou, o pior, o cinismo político. A contrapelo, o autor destaca que a internet continuará sendo a base da produção de discursos que irão desconstruir a visão consumista predominante.

A existência de uma “memewar” é algo que opõe os ativistas (com suas “bombas mentais” na internet) e os propagandistas do consumismo (que ganham reforço com os clickativistas). Contudo, lembra o escrtor, é a capacidade de mudar a realidade social que deve ser a principal métrica a ser analisada, para que a participação cidadã não se restrinja à capacidade de um assunto se tornar hype e de um movimento, celebridade.

Um trechicho do artigo original com tradução livre:

O Clickativismo é a poluição do ativismo misturado à lógica do consumo. (…) O que define o clickativismo é uma obsessão com métricas. Cada link clicado ou email aberto é meticulosamente monitorado. (…) Com um apelo massivo, clickativistas diluem suas mensagens através de chamadas para ações que são fáceis, insignificantes e impotentes. As campanhas buscarm inflar de percentuais a participação, e não derrubar o status quo. Ao final, a transformação social é comercializada como uma marca de papel higiênico.