Comentários (replies) em rede: uma nova fronteira a se alcançar na análise de redes sociais

samarco_ATs_com_replies

Grafo 01 – Rede de replies no Twitter. sobre o rompimento da barragem da Samarco em Mariana.

 

Há muitos grafos sobre temas importantes de 2015 que gostaria de ter gerado: o dos refugiados, o da chacina de Osasco, o da cop 21, o da eleição argentina, enfim, são muitos acontecimentos. O consolo está no fato de que os dados sobre eles foram coletados. Mas a rede que NÃO analisei, por decisão pessoal, foi sobre o crime ambiental da Samarco/Vale/BHP. Por um motivo importante: quis fechar (metodologicamente) e abrir (teoricamente) um ciclo novo de trabalho com redes a partir de estudos ambientais, como é o caso do ecocídio em Mariana e por todo Rio Doce. Coletamos o caso da Samarco desde o dia 01 de novembro, antes do rompimento da barragem. Mas incluímos um elemento novo na nossa metodologia de análise estrutural de redes.

É o seguinte. A maior parte dos grafos na análise de redes sociais é voltado à visualização em torno da difusão das mensagens (retweets, compartilhamentos, likes do Insta etc). Considero relevante a cartografia em torno da disputa de popularidade das mensagens. Afinal, a viralidade é um fator fundamental para entendermos a agenda pública hoje. Mas sempre achei isso incompleto (sobretudo depois que o Labic popularizou a figura de Bots nas disputas eleitorais). Daí numa dessas viagens longas, rascunhei à mão uma proposta de análise de conversação em rede. Qual é a diferença entre difusão e conversação? Tecnicamente a difusão está mais no ato de compartilhar (em geral, ato realizado para irradiar uma ideia ou fato que se pretende publicizar). A conversação está no ato de responder (de comentar e discutir). Compartilhamos mais (muito mais) do que comentamos. Porque a conversa, sobretudo quando é uma discussão, requer repertório para argumentar e contra-argumentar, demanda lidar com revides e até violência e má-educação. Minha hipótese passou a ser que comentar é a raiz da ampliação de sentidos sobre ideias e opiniões. Naquela confusão entre Malafaia e Boechat (um dos grandes momentos de 2015), o jornalista publicou esse tweet (https://goo.gl/ctTAiY), gerando um assustador número de comentários (replies, na linguagem do Twitter). Comecei então a rascunhar ali a ideia de coletar replies e dispô-los no formato de rede (quem comenta quem). Na prática isso já era possível, mas de modo limitado. Por quê? Porque quando coletamos dados precisamos pedir à API do Twitter que nos entregue posts com determinado conjunto de termos. Exemplo. Se simplemente pedimos “boechat+malafaia”, o sistema retornará apenas os comentários contendo frases com essas duas palavras, o que faz com que toda a riqueza que vocês viram aí no link não apareça na coleção de dados recolhidos pelo pesquisador. Isso é o motivo de pesquisadores e analistas não trabalharem com a conversa, ela é intensamente rizomática, com muitos centros de atenção e muitas conversas paralelas. Pensei então em fazer scraping dos comentários (https://goo.gl/BnaOp4), recolhendo os IDs dos tweets e depois recoletá-los pela API do Twitter (isso permite o acesso aos 42 metadados de um tweet). Feito isso poderia mapear concretamente as conversas juntando com os tweets já coletados, dando um salto assim nas minhas pesquisas, cujo meu ciclo laboratorial (mais hard) se fecha em 2015. Devo a equipe do Labic, em particular ao Gustavo e ao Nelson, que minha ideia virasse um programa. 2016 então será só de (re)escritura. Isso tudo para dizer que a rede abaixo representa 37 mil conversas (replies) sobre o crime da Samarco, coletados apenas no mês de novembro no Twitter. Sem o programa seria menos de 10 mil.

Algumas hipóteses estruturais para entender redes de replies (conversações):

1. Clusterização densa é um fenômeno de dificil ocorrência em redes de conversação. Isso porque um cluster, em rede de conversação, é formado por perfis com pontos de vista conflitantes, diferente de redes de difusão, onde clusters são formados por pontos de vistas comuns. Os diferentes estão mais próximos quando comentam do que quando retuitam.
2. Redes de comentários tendem aglutinar mais conversas em torno de: (1) perfis noticiosos, que geralmente possuem seguidores com pontos de vistas heterogêneos, como é o caso de veículos de imprensa; (2) perfis que são alvos de ataque em função de questionamentos sobre atos considerados danoso à sociede. como foi o caso do perfil da Vale, uma das sócias da Samarco; ou aqueles perfis envolvidos em alguma controvérsia nas redes sociais (tretas, disputas, etc).
3. Quanto maior é a família de uma conversa, mais múltipla será uma discussão. O Twitter denomina de ancestral aquele reply que gera uma onda de comentários em torno dele. Um tweet pode assim gerar vários ancestrais, que funcionam como tópicos de discussão numa conversa (no tweet aqui – https://goo.gl/ctTAiY – você verá-los, pois são separados por um “mostrar mais”). Isso permite medirmos os tweets pela sua capacidade de gerar ancestralidades.
4. Quanto maior é a periferia, maior é a multiplicação de conversas, que gera multiplicação de sentidos expandindo e sobrecargas interativas em perfis. Toda rede de conversação tende a um paralelismo de discussão, por fragmentar-se em rede de múltiplas conversas, cuja localização preferencial está na periferia, que, em determinados casos, pode ser muito maior que o centro de gravidade da rede. No caso da rede ‪#‎Samarco‬, a periferia (grafo 2) representa 1/3 do total das conversações.
5. Bots e Spammers não conversam. Seria uma perda de tempo para eles. Que maravilha!
6. Redes de conversações são capazes de revelar relações de poder em regime de tensão. como é o caso da entrada em cena da Vale – nó conversador no grafo – ao tentar se defender através de argumentos baseados na ideia que está a proteger os humanos, os bichos e o local da tragédia. Veja https://goo.gl/NUEhUl. Ou o tweet de Miriam Leitão (https://goo.gl/oFZ7TN), em que a jornalista coloca o dedo na ferida, gerando uma onda de comentários, de crítica à Vale e aos governos que ela financia.

samarco_ATs_com_replies_periferia

Grafo 02 – Mesmo grafo, tendo como foco apenas as conversas na periferia da rede, representando 30% da coleção de dados.

2016 está chegando. Um feliz ano novo de muitos estudos, felizes estudos, com saúde e paz para vocês, amigos e amigas!

Deleuze palpita sobre o RT no Twitter

Você não acha esquisito esse fluxo intenso de repetições no Twitter, algo que nós, o povo mais hipermoderninho, chamamos de RT ?

Eu sinto que o segredo desse comportamento repetitivo, nessa coisa chamada de redes sociais da internet, está mesmo é no Gabriel Tarde, o grande teórico da microssociologia. Um teórico que queria entender a similitude de milhões de homens. Um teórico que adorava o mundo do detalhe e do infinitesimal: as imitações, oposições e invenções. E o RT é um fenômeno da microssociologia, porque se trata de microimitações. É mais do que isso: é uma onda de imitações. Uma microimitação diz respeito a um fluxo ou a uma onda, e não ao indivíduo. Quando alguém imita, propaga um fluxo. E o que é o fluxo, segundo Tarde? É crença ou desejo; um fluxo é sempre de crença e de desejo. As crenças e os desejos são o fundo de toda sociedade, porque são fluxos “quantificáveis”, são verdadeiras “Quantidades Sociais”. Então, seria importante ver os RTs menos como representações, se ocupar mais das pontas, e não reproduzir a ideia de individual x social, como se o indivíduo fosse um nó da rede, e o social, os hubs. Na internet, a distinção entre o social e o indivíduo perde o sentido. Porque o fluxo de RTs e de todo tipo de compartilhamento, ao acontecer como um comportamento imitativo, não pode ser atribuído a indivíduos, mas a uma significação coletiva.

Metade da relevância no Twitter é produzido por 0.05% dos usuários. E daí?

internet_nros_2009

Segundo estudo publicado no Yahoo Research (li isso numa notícia do IDG Now),metade da relevância no Twitter é produzida por míseros 20 mil usuários (0,05%). Como todo número tem um “espírito”, fiquei pensando o que isso significa. Tá na cara: a ideia é disseminar que “apenas poucos produzem coisas relevantes”. No final das contas, a metodologia de pesquisa 1.0 continua viva no mundo das redes. Ou seja, ainda se busca “investigar” raízes (apesar delas existirem) no rizoma para, depois, apontar o dedo e dizer: “tá vendo, mesmo nas redes, as pessoas ainda têm seus líderes”. E, assim, ninguém investiga o óbvio: os entornos de comunicação que afetam diretamente a maneira como eu, tu e eles consumimos os conteúdos da rede. No lugar de buscar “os reis da praia virtual” seria lógico procurar o “corpo que faz o rei reinar”. Afinal, Blog sozinho não faz verão. Um Perfil no Twitter, menos ainda. Mas nada. Muitos estudos ainda usam da estatística para  criar falsa maiorias (sujeitos, temas, etc).

Três coisas óbvias nesses números, lendo a estatística na perspectiva dos 99,5%:* o Twitter não serve apenas para circular conteúdo relevante (e com ele todo um poder pastoral).

  • o Twitter não serve apenas para abrigar “pessoas relevantes” e celebridades.
  • o Twitter não é uma catedral. É um bazar. Para usar a metáfora dos ideólogos do software livre.
  • o Twitter é uma potência porque exatamente não cria um povo e um líder. É multiplicidade em estado puro. E dentro desta há os boçais, e o boçal também se singulariza, vou fazer o quê!
  • E o mais óbvio do óbvio: a maioria no Twitter não é célebre, nem líder de opinião midiático. E aqui que mora todos os “novos problemas e os novos agenciamentos”. Nenhuma cartografia científica será capaz de chegar a esses agenciamentos utilizando métodos tradicionais da estatística (sempre orientada à maioria). O problemão de pesquisa está no fato que a relevância de uma rede só brota de maneira minoritária. Essa é a desgraça para a pesquisa científica tradicional. Isso porque a minoria não se generaliza como dado, é sempre local, casual e singular. Mas isso não significa, em absoluta, que ela tenda à fragmentação. Ao contrário, ela é exatamente o motor da criação da cooperação em torno dos commons virtuais. Afinal, não há democracia no Egito sem a ação das minorias enredadas.

Mas a ideologia da maioria contida na estatística das redes, longe disso, só quer encontrar padrões, repetições e bordões!! O chato é que esses padrões ditam tendências, ditam modismos, sem parar, para tudo ficar no mesmo lugar: manda quem tem seguidor, obedece quem não tem amigo.

E, assim, o conformismo metodológico reina entre nós.

Os 10 tweets de maior repercussão em 2010

Para quem ainda não viu: os 10 tweets do ano de 2010: Haiti, Copa do Mundo, Golfo do México, foram alguns dos temas preferidos. Repare lá que os maiores acontecimentos de 2010 no Twitter envolveram entretenimento, política e desastre social.  Todos eles obtiveram repercussão na cena midiática. E, em todos os casos, a opinião se constitui de forma compartilhada e entrelaçada à imprensa, ora para atestar a veracidade das informações jornalísticas, ora para contestá-las.

Via Yearinreview.

Quora, sua rede responde

.

Depois do buzz do Formspring, entra em cena o Quora, nova rede social de perguntas e respostas na internet. É tudo muito simples. Você se loga com a sua conta do Facebook ou do Twitter. Segue e é seguido. E posta respostas e perguntas. E, assim, você aproveita o conhecimento gerado pela  inteligência coletiva da rede. E, é claro, doa o seu conhecimento também. É uma espécie de Yahoo Respostas 2.0. Uma das grandes vantagens do Quora é o baixo índice de anonimato, por você se logar através de sua conta do Twitter ou do Facebook.

Por enquanto, só entra na rede quem tem convite.

No mais, o Quora é mais uma das ferramentas que alimentam o que chamo de economia da identidade online, que se realiza através de empreendimento baseados na criação de novos ambientes comunicativos cujo DNA é o “perfil de redes sociais”, sobretudo, os do Twitter e do Facebook, duas plataformas que facilitam inovações por terem suas API’s abertas à colaboração do usuário.

Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia

Esse é o título do artigo que escrevemos, eu e o Henrique Antoun (UFRJ), publicado no número atual da Revista Famecos (artigo em pdf). O texto cai como uma luva para quem precisa analisar os movimentos pós-wikileaks, sobretudo a luta imanente entre os poderes que constroem e destroem a liberdade na internet.

Esse artigo visa, em retrospectiva, analisar os fundamentos políticos que regem os discursos de liberdade que são disseminados pelos atores que constroem a internet de hoje e de ontem. Esta análise visa extrair um modo de compreender a economia do poder em disputa, instaurada pelos diferentes atores em conflito da sociedade em rede. Para tanto vamos avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos, entendidos como laboratórios dessas disputas. Desta avaliação vai emergir que as novas narrativas multitudinárias vão fazer a passagem do modelo informacional das mídias, que privilegia a acumulação quantitativa proprietária de elementos, para o modelo comunicacional das multimídias, que privilegia a coordenação da ação coletiva nos movimentos.

O fake na internet e o medo que tem Magno Malta do sábado de Aleluia

“E, quando estavam reclinados à mesa e comiam, disse Jesus:
Em verdade vos digo que um de vós,
que comigo come, há de trair-me” (Marcos 14:18).

.

O senador Magno Malta (PR/ES) anunciou que vai entrar numa nova Cruzada. Quer criar um projeto de lei que torna crime a criação de perfis falsos (os fakes) nas redes sociais da internet. Ele já não aguenta mais a quantidade de judas virtuais que espinafram suas atitudes políticas arvorando-se de sua própria face photoshopiada. Para ele, melhor seria se o cabloco o espinafrasse com “cara limpa e peito aberto”. Claro. Assim fica mais fácil de fichá-lo depois.

O fake da internet carrega o dilema do Judas, aquele criado pela cultura popular. Na tradição da malhação do Judas, no sábado de Aleluia, ninguém sabe quem fez o boneco e pendurou no poste, mas todo mundo adora malhá-lo. Quem é objeto da malhação fica possesso. E quer identificar – como quer! – quem foi o autor da brincadeira. Nada pior que ser o Judas do sábado de Aleluia. Magno Malta, como qualquer pessoa, sabe disso. Para político então, que tem imagem emoldurada pelas frases e maquiagens fakes do marketing de bruxas e magos, dói fundo na alma original ser objeto de gozação do populacho.

Se Malta fosse republicano-USA, parece que não teria dúvida: botaria no chilindró os “fakes” que publicaram no Wikileaks as tramóias do governo yankee pelo mundo. Contudo, o problema do republicano-tupiniquim é que ele defende coisas que a classe média conectada detesta, como criminalização do homossexualismo, defesa de pena de morte, redução da maioridade penal, mistura de religião e política desafiando o laicismo do Estado, para além de citações do senador em escândalos nacionais, como o da máfia dos sanguessugas. Por conta disso, a malhação virtual rola solta. Como Jesus na ceia dos apóstolos, a rede da classe média conectada (de A a D)  sabe quem está a lhe trair.

Continue reading

Onde a #ondaverde ganhou da imprensa limpinha e dos blogs sujos?

Acabei de escrever. Vai pra revisão e análise da Revista Global Brasil. Uma reflexão, a partir das interações online, sobre de onde veio essa #ondaverde que contaminou as redes sociais na internet. Minha tese é que ela veio de uma fissura aberta pela tensão entre a imprensa limpinha e os blogs sujos na construção de opinião e verdades sobre as eleições presidenciais, como numa cruzada dialética ininterrupta que acabou por gerar concentração de informação em pouquíssimos nós da rede.

O tsunami verde venceu a grande imprensa porque não caiu na caricaturização midiática de uma Marina, considerada frágil, lulista e somente ambientalista, e inventou uma Marina forte e portadora de uma crítica ferrenha ao desenvolvimentismo dos seus opositores. Saiu da #ondaverde a ideia de Dilma como fantoche de Lula. E, enquanto o PIG constituía uma imagem de Dilma como “amiga de Erenice”, a #ondaverde, nem aí, indagava por que Lula não escolheu Marina no lugar de Dilma. Queriam Lula de qualquer jeito.
De outro lado, a rede verde atropelou os blogs alinhados ao governo Lula, ao demonstrar que o foco da ação em rede deveria levar em consideração um Serra preso a sucessivos governos elitistas, mas não só isso. Não poderia estes, para ser independentes, se pautar numa defesa irrestrita e sem crítica a um desenvolvimentismo a qualquer custo da candidata do governo.

Ao meus (ex) alunos

um pedido de compreensão e de uso crítico das novas mídias.

Prezados alunos e alunas,

Hoje, no âmbito do curso de Jornalismo, ocorreu um fato já extensamente noticiado. Numa situação de conflito, o professor Victor Gentilli jogou um laptop no pé de um aluno. Logo se criou a hashtag #barraconaufes no Twitter. O termo não explicitava muito bem o que ocorreu, mas se alastrou. Numa mobilização importante, a notícia se revelou completa em pouco tempo. O uso generalizado das novas mídias faz com que a dimensão pública seja rapidamente revelada. Isso é um avanço democrático. Mesmo sem diploma, vocês tiveram total poder de relatar os fatos em primeira mão. Agora, não deixem que esse poder conquistado se transmute em uma pequena tirania. Não caíam em exageros, não façam pré-julgamentos, não façam ilações.  Eu tenho muito orgulho de ser professor da Ufes. De poder ter tempo para debater o máximo possível com todos, respeitando a opinião de todos, mesmo que tenhamos nossas teimosias. Hoje o professor Edgar Rebouças, que dá a disciplina de ética nos meios, me disse: “pra que isso tudo?”, ao se referir à velocidade de circulação da informação sobre o caso. A premência do tempo pode nos levar a muitas conclusões apressadas. O livre exercício do pensamento também é um prática baseada na tolerância e na escuta múltipla. O caso de hoje vai ser objeto de conciliação, que pode dar em um não ou num sim. Se o problema é maior que isso, existirão opiniões sensatas e insensatas na rede e na universidade, faz parte da liberdade de cada um expressá-las.  Claro que o caso não pode ficar fechado a um corporativismo, mas também não pode ser objeto de perseguição daqueles que descobriram a “capacidade de dominação” dos novos tempos (lembra do post meu de hoje?). O jornalista tem lado; o dos justos, como diz o genial josé hamilton ribeiro. Mas não somos policiais. Façam ironia, mas não se tornem o Tiririca.

A censura ao Twitter e a inquisição que “resiste” na Ufes

“Todos nós temos poder no corpo” ( Michel Foucault )

El desarrollo del maquinaria revela hasta qué punto el conocimiento o knowledge social general se ha convertido en fuerza productiva inmediata, y, por lo tanto, hasta qué punto las condiciones del proceso de la vida social misma han entrado bajo los controles del general intellect y remodeladas conforme al mismo.

(Karl Marx in Grundisses)


Estava no Twitter. Relatava um debate público. Sua rede retuitava alguns dos seus comentários, que eram expressos como manda a Constituição: com seu Nome Próprio. Mais tarde, a patrulha bateu à porta. Em reunião de departamento, na Universidade Federal do Espírito Santo, foi acusado de – por causa dos seus tweets e os da sua rede – ter sido responsável pela imprensa ter descoberto a dissidência que ocorrera no debate público. Como se sabe, no Twitter, e esse é o barato total, todos se tornam imprensa. E a velha imprensa, quando se pretende atualizar, entra no circuito da rede tornando-se público e imprensa ao mesmo tempo. “Confessa. Não se faça de vítima. Foi você que embasou à imprensa. Estão aqui seus tweets e os de seus amigos que comprovam”, dizia, na reunião, um inquisitor dos novos tempos.  A seção de assédio moral foi totalmente montada. Em uma reunião na universidade, há sempre professores e estudantes. Os estudantes foram convidados a se retirar, um estupro às normas universitárias. “Mas nós vamos saber o resultado dessa reunião como?”, indagava um aluno. Eles queriam participar do controle social, mas foram retirados de cena. A partir daí, um grupo, de posse dos tweets, começava a sessão típica do velho autoritarismo brasileiro: “Confessa! Você não é da nossa turma. Pensa diferente. Confessa que foi você!”. O tuiteiro, sem saber, dizia: “vocês querem que eu confesse o quê? Qual é o ato ilícito de produzir comentários de debates públicos via Twitter?”. O grupo continua: “Se não foi você, foi você”, apontava o dedo para outro:  “naquela reunião você discordou da gente”. O segundo “acusado” diz: “você vai ter de afirmar isso em juízo”.  A reunião termina. Resultado: possibilidade de inquérito administrativo contra aquele que tuitou um debate público dentro da Universidade Federal do Espírito Santo. A abertura ou não do inquérito vai ser votado na próxima segunda. Possivelmente o inquérito não vai ser aberto. Um: o tuiteiro fez registro de uma atividade pública, divulgando um conflito de ideias no seio de um grupo social, algo que todo santo dia ocorre, inclusive no Supremo Tribunal Federal.  Dois: a possibilidade de inquérito foi deliberada ferindo todas as regras universitárias e todos os tratados de direitos humanos, no velho estilo “confessa senão morre”. E se o inquérito for aberto, vai ser aquele mico nacional, quiçá, internacional.

Para além do assédio e de ilações que conduzem a difamação e tutti quanti, a ação desse pequeno grupo de professores desse departamento da universidade revela a impaciência quanto à diferença e à produção de um espaço público amplo. Impaciência típica de gente que gostaria de ser stalinista, mas perdeu essa oportunidade história. O que resta de pravda só existe plantada como uma raiz nas cabecinhas que adoram a metáfora do sol. A contrapelo, a nova geração de professores da Ufes tem aquilo que muitos de seus pares gostariam de ter há 20, 30 anos: meios de expressão com larga abrangência a um clique. Uma geração inteira de professores universitários teve que engolir sapos de pequenos grupos autoritários, que alcançando o poder departamental, fazia uma espécie de perseguição a todo um outro que ousava dissedir (no sentido fonético também daquele outro verbo). Contudo, como um vírus do mal, aqueles que antes eram objetos da dominação, ficavam à espreita, esperando o dia nascer feliz e chegar logo a sua hora de assumir o poder, para fazer o mesmo com a outra geração que chegava ao recinto. Era uma espécie de ciclo sádico do poder universitário. Não se tinha a quem recorrer, senão ao próprio poder de cima, o que significava pactuar com o pessoal desse andar do alto, para além do bem e do mal.

Mas, depois de 89, as coisas começaram a mudar. Caiu o muro e produzimos um estado de direito. Mas também surgiu a web. E, quando uma maioria se arvora do direito, é na internet/web que vocalizamos primeiro a reconquista do direito. O ativismo, desde os neozapatistas em 1997 e de Seattle em 1999, já afirma que uma transformação social se faz usando a capacidade coletiva de comunicação global em rede.

O caso na Ufes é velho conhecido para quem agora acessa a internet e quem há muito tempo se comunica através da imprensa. Em geral, ninguém quer que suas convicções sejam questionadas. E menos ainda quando, ungido de um poder constituído, ver a verdade desse poder ser desconstruída. Porque a verdade do poder é a norma. Siga a norma e se submeta. É aquilo que Foucault dizia, num tom pra lá de irônico: “Todos nós temos fascismo na cabeça”. Na prática, a internet permite que a verdade não se torne homogênea, porque faz ativar todo um conjunto de poderes expressos em milhões de corpos enredados. Não há poder que perdure e não há verdade que se eternize na internet, como era nos velhos moldes da massa, do partido à imprensa. O poder em rede não se manifesta como um contrato (no sentido liberal) e nem como uma propriedade (no sentido marxista). Daí que toda uma série de casos passa empurrar as narrativas rizomáticas para aquilo que o ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres Britto lindamente arguiu: a internet é o espaço da liberdade absoluta. A internet é um dispositivo genuíno de direitos humanos.

Alguns poderiam refutar: mas a internet rompe com o privado, tornando tudo que é íntimo, público. E o perigo da publicização exacerbada da vida é repetir aquilo que a internet diz ter superado: a verdade ser construída a partir de um poder massificado em rede. Assim, travestido de aura resistente, a quantidade de reTweets, a quantidade links trocados, a quantidade de comentários, a quantidade de atualizações, a quantidade de curtições, faz valer um poder de “pequenas maiorias” que produzem verdades universais. É verdade, há todo uma prática de pequenos Berlusconis da rede que, em busca de fama, muito dinheiro e má-fé, querem fazer da produção coletiva apenas efeito especial. Conjugado a esses pequenos, há todo uma cultura imersiva dos dispositivos web 2.0 que atiçam a repetição de bordões, preconceitos e lampejos do espetáculo midiático.

Contudo, é como cantava Jim Morrison contra o moralismo dos 60, “vocês têm o poder, mas nós somos em maior número”. Nessa levada psicodélica, pipoca na rede a dissidência. E os novos conflitos e lutas fazem da internet o seu principal locus de difusão. O caso das eleições brasileiras de 2010 é exemplar. O que há de mais interessante nelas não é a narratologia da história vencedora, que é uma chatice sem tamanho que se tem muita resistência em acompanhar (só para lembrar que a maioria da população não assiste ao programa eleitoral televisivo). Uma nova história política é praticada em inúmeros #foramagnomalta, #pergunteaoserra, #dilmabyfolha, #safadezoculta, enfim, constituindo-se como um conjunto de histórias não programadas pelos marketeiros das campanhas, com suas taras por #ondas #votenúmerotal. Essa é uma “nova história”, feita por muitos, mas que ainda não chega a todos, sem dúvida. Mas ela está aí, registrada, e é ela que vai sobreviver, acredito. Histórias que demarcam um corte com aquela sociedade brasileira de 89, que tinha um canal de TV com um jornal nacional, com share de quase 80% durante o debate Lula x Collor. E hoje, o mesmo canal transmite o debate presidencial tentando manter um share de 40% (competindo com as verdades dos internautas, que se antecipam às edições jornalísticas e publicam suas impressões do debate televisivo, em tempo real, no Twitter). O que mudou nas nossas vidas de lá pra cá senão a existência dessa possibilidade ímpar de termos acesso a mil outras verdades, a mil outros sujeitos? Não é à toa que a emancipação social só se faz dentro do comum e toda imanência conflitiva que é viver em uma democracia. Isso está conosco e ninguém tira. E é uma pena que alguns colegas professores universitários não se inspirem naquilo que vêem seus filhos/netos fazerem diariamente: comunicar suas posições, através também daquele computadorzinho maldito (só para lembrar que a verdadeira opinão pública do #fichalimpa nasceu da internet). Não retire da gente o que a gente herdou das lutas democráticas.

Dizem que, na reunião desse departamento universitário, alguém lembrou: “gente, esse é um caso de polícia” (lembrei de Gramsci na hora quando soube disso: polícia x política). Depois, na internet, ao saber do caso, alguém sentenciou, em tom de humor: quem tuitar na Ufes vai parar nos contêiners de Novo Horizonte, na #masmorraes. É isso. É preciso libertar as #masmorrases que perduram nas cabecinhas de muitos de nós.

PS: não citei o departamento da Ufes porque todo registro da reunião ainda não foi trazido a público. Na Universidade, as atas devem ser aprovadas pelos pares, no departamento. Logo, já se viu, né? Esta semana terá uma longa negociação por lá para fazer publicar uma ata que não responsabilize ninguém pelo assédio moral. Por isso que repito, reunião pública do Estado poderia ser transmitido em tempo real, para aumentar o controle social estatal.

PS2: #masmorraes foi um movimento organizado na internet, através do Twitter, denunciando a não publicação da nota “As masmorras de Paulo Hartung”, de Elio Gaspari. A nota seria veiculada numa edição de domingo, no jornal local A Tribuna. O conteúdo da nota era a denúncia do estado infame do sistema carcerário do ES. Através do Twitter, usando a hashtag #masmorraes, os usuários (com protagonismo do professor da Ufes @VictorGentilli) divulgaram todo tipo de material possível sobre as prisões do estado, de vídeos a fotos, de artigos a relatórios. A imprensa local, calada há tempos sobre o assunto, teve que prontamente atender o movimento da rede, publicando o que ocorria nas prisões do Espírito santo. O movimento #masmorraes ainda derrubou a popularidade do candidato do governador Paulo Hartung, Ricardo Ferraço, à sua própria sucessão. O governador abandonou seu candidato, numa reviravolta política das mais malucas no estado, e apoiou aquele que era seu opositor, o senador Renato Casagrande, que o governador tentou, como dizia a crônica política da época, desidratá-lo o tempo inteiro.  Casagrande (PSB) vinha à cena com toda pinta de independente e com uma presença digital que nenhum outro candidato se orgulhava em ter. O senador deve se eleger com cerca de 60% dos votos e é reconhecido por ser uma liderança histórica na defesa dos direitos humanos. E o #masmorraes talvez tenha sido o fato mais importante para as decisões políticas que envolveram a eleições ao governo do estado em 2010.

PS3: sou parte da rede que retuitou o debate do docente desse departamento. Faço retweet todos os dias e agora sei que o retweet é coisa séria, “assunto de polícia”. #safadezaoculta é isso acontecer comigo. #medo

Ps4: descobri que a inquisição universitária foi articulada por dois professores, eles passaram a manhã inteira imprimindo os tweets e os retweets para levar para a reunião, como se fosse a Polícia da Sociedade do Controle (P-Soco). Esses dois professores têm perfil no Twitter. Mas não gostam de dar Retweet. E falam coisas do tipo, refundar utopias, luta contra-hegemônica, anticapitalismo e tudo mais. Gramsci e Marx não devem estar gostando nada dessa vulgaridade.