“Qualificar primeiro e depois expandir [os pontos de cultura] não faz sentido”, diz Ivana Bentes

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Em artigo publicado no blog Trezentos, a professora da Escola de Comunicação da UFRJ Ivana Bentes criticou a visão burocrática de Marta Porto, secretária do MinC, que pontuou que o futuro dos pontos de cultura passa primeiro pela sua qualificação e não pela sua expansão. O tema é bom para o debate, porque efetivamente os pontos vivem dilema da susteqntabilidade e enorme dificuldade de relação com a burocracia estatal, o que lhes criam embaraços e impedimentos. Contudo, de outro lado, só a expansão dos pontos dará a eles um volume de profissionalização que permitirá uma maior qualificação de suas atribuições e processos administrativos. A questão, portanto, se torna ainda mais política. No meio de tudo, os precários dos pontos esperam os recursos atrasados serem pagos pelo MinC, que finge que eles (recursos e pontos) não existem.

A questão foi colocada várias vezes pela Secretária do MinC, Marta Porto, na primeira reunião com a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura, em Brasilia.  A meu ver não existe incompatibilidade entre “expandir e qualificar”! Ao contrário, é a expansão e suas dinâmicas que qualifica, muito simplesmente a rede. É  o processo todo que vai qualificando a rede e o Programa Cultura Viva, um dos mais inovadores em termos de Politicas Públicas no Brasil, apesar dos muitos problemas de gestão. Esse velho dilema foi muito usado pela aristocracia economicista que vem desde lá o Delfim Neto que dizia “primeiro fazer crescer o bolo e depois dividir” e nessa de esperar crescer o bolo, os recursos, a economia, iam privilegiando só uns poucos. A nova fórmula:  “qualificar” primeiro e DEPOIS expandir também não faz sentido. São argumentos “dualistas” que não levam em conta os processos.

ps: não consegui identificar, via Google, a declaração da Marta Porto (em quem confio muito). Mas usando os termos “Marta Porto qualificar pontos” só consegui achar o artigo da Ivana e a sua repercussão na internet à fora. Impressionante.

“qualificar” primeiro e DEPOIS expandir também não faz sentido

Ana de Holanda, D. João VI e o caso Creative Commons

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Entrevista que concedi a Leandro Uchoas, do jornal Brasil de Fato, sobre o caso envolvendo Creative Commons e o Ministério da Cultura.


by @barbaraszanieck

by @barbaraszanieck

1. O que representa a retirada da licença Creative Commons do site do MinC?

A retirada da licença Creative Commons do site do MinC, de forma apressada, demonstra uma medida truculenta da ministra Ana de Holanda. Nada justifica a exclusão do símbolo da luta política pela socialização de conhecimento digital no site do MinC, quando isso não se faz dentro do espirito democrático do diálogo e da moralidade administrativa (o Creative Commons tinha um contrato com o setor jurídico do MinC). O MinC protagonizou avanços formidáveis com suas políticas culturais durante o governo Lula, e o abrigo da licença CC demonstrava que o ministério governava com os movimentos sociais da cultura digital ao seu lado. Veja, a base tecnológica que faz operar a totalidade dos pontos de cultura (que são mais de 4 mil no país) roda sobre licenças que reiventaram o direito autoral, em especial, o copyleft e o Creative Commons. Me pergunto onde a ministra estava nesses últimos anos que não tenha acompanhado toda complexidade que o mundo passa no campo da cultura digital, sobretudo o conflito aberto entre a inovação do mercado da cultura livre e as açōes proprietárias de Google, Facebook e todos os monopólio digitais. É claro que a retirada do selo CC demonstra o lado social onde se encontra, até o momento, a ministra Ana de Holanda: o da defesa irrestrita dos direitos autorais do século XX, cujo recolhimento e distribuição financeira para os autores, na prática, viabilizou toda a formação de uma indústria intermediária da cultura, facilitando a formação de monopólios industriais da cultura e o constrangimento de autores a regras de mercado que fizeram excluir toda uma geração formidável de autores, que se recusavam a obedecer as regras ditadas por esse capitalismo autoral. Então, na prática, o direitor autoral, tal como funcionava no século XX, operava dentro da lógica da “inclusão abstrata e exclusão concreta” do autor, isto é, o autor existia no direito, incluido como portador de toda criação do espírito. Mas, na prática, só era autor quem obedecia a indústria cultural, que era a verdadeira proprietária dos direitos. Abstrato no direito, exclusão concreta no mercado. O Creative Commons é até mais liberal do que o copyright puro-sangue defendido pela ministra, porque, ao permitir a flexibilização do direito (por meio de diferentes tipos de licenciamento), conjugado a existência de plataformas de distribuição de conteúdos na web, faz aquele autor “menor”, totalmente excluído do direito autoral do século XX, se conectar diretamente com o seus públicos ( ele decidir o que pode e o que não pode, e não uma indústria). E isso mobiliza novos arranjos produtivos da economia criativa, para usar o termo do novo léxico do MinC. Aliás, um léxico inventado pelos tucanos em épocas neoliberais no Brasil.

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2. Como o movimento de Cultura Livre está se organizando para se posicionar nesse debate?

A primeira reação foi a de susto, que desencadeou uma série de depoimentos na própria internet. Criação de blog protesto, viralização de críticas nas redes sociais, enfim, acionou-se a rede, que se viu mobilizada por atores de diferentes posiçōes políticas e de campos sociais díspares. Depois veio uma atuação junto ao próprio MinC, que não recebeu deputados do PT que cobravam uma justificativa plausível pelo fim da cultura livre no MinC. A ministra, ao contrário, recebeu um advogado ligado ao Ecad, uma instituição no qual ela tem ligação. O clima agora é de tensão, e não sei se será possível uma reconciliação. Agora toda mobilização, que é feita de modo público, se dá junto aos pontos de cultura e de artistas plugados à cultura livre, a fim de se estabelecer uma pauta comum de antagonismo a esse conservadorismo da ministra e que, sobretudo, faça o MinC reinserir a licença creative Commons em seu site. E, por outro lado, de maneira mais institucional, há uma pressão sobre o PT para que ele responda se essa gestão do MinC é de esquerda ou nao. Será o MinC dos trabalhadores ou não? Porque se nao há Cultura livre instalada no MinC significa que o PT defende um mundo em que o trabalhador se relaciona com o poder público através da formas jurídica “empresa”, isto é, defende que o direito autoral seja operado por apenas associaçöes e mega empresas, e nao um mercado que quem dita as regras são os próprios trabalhadores (artistas, jornalistas, produtores, designers, arquitetos, enfim toda uma gama ampla de gente que vive da cultura).

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3. Ana de Hollanda no MinC foi uma articulação do PT. A política que ela está adotando está em sintonia com o que defende o partido? Se não, como se explica a nomeação?

Eu nao sei responder pelo PT, que é um partido popular e cobrará uma postura pública da ministra, que, por enquanto, mandou “todos dizerem o que querem dizer” – um tipo de postura autoritária dissonante do histórico do PT. Mas um dia ela terá de enfrentar frente a frente esses movimentos, porque a função pública de ministra do Estado requer diálogo, convencimentos, práticas de diálogo e enfretamento aberto. Agora a nomeação da Ana facilita muito essa “cultura do Rio de Janeiro”, um modelo decadente do pensar e do fazer política cultural. Um modelo que combina “classe artística” com indústria cultural (que a ministra, usando eufemismo, chama de industria criativa). O Rio de Janeiro é o único lugar onde a cultura independente não vigora sem passar pelo filtro dos grandes grupos de comunicação e cultura. Isso por quê? Porque há ali um aristocracia alimentada por uma promiscuidade entre artistas e a mídia dos direitos autorais. Esse modelo cria um represamento da potência criativa da cidade. E o MinC do governo Lula rompeu com esse “Rio de Janeiro” para pactuar com um outro “Rio de Janeiro”, o do funk, do hip hop, do samba, das culturas populares, do circuto independente, que alimentam hoje centenas de pontos de cultura de todo o Estado fluminense; potnos de cultura que vivem, de forma precária, lutando contra a “sociedade dos cachês”, que lembra muito a economia do futebol, onde há poucos ganhando muito, e muitos ganhando uma miséria. Infelizmente o século XX chegou ao MinC do governo Dilma, com pitadas de D. joão VI: sem lugar para morar, a corte portuguesa, ao desembarcar na cidade do Rio de janeiro, tomou as casas da multidão que produzia o Brasil, e prensou em cima da porta de cada uma delas: Princípe Regente. Logo a multidão traduziu o PR por “Ponha-se na Rua”. Essa é um pouco a sensaçåo que nós, militantes da cultura livre, que produzimos o Brasil, junto com tantos outros trabalhadores que lutam pela sua “independência” e pela criação de um mercado mais justo, estamos nos sentindo: todos postos na rua. Sem açúcar e sem afeto.

Ps: As respostas do texto acima foram totalmente inspiradas nas posições públicas de Giuseppe Cocco sobre o assunto.