Enviei esse comentário para ser publicado no Jornal A Gazeta, daqui do ES:
Se John Kennedy inaugurou a fase da política televisiva (tornando até hoje o mais célebre presidente norte-americano, e Jackie a mais midiática primeira-dama), Obama é o arquétipo da política das redes em que vivemos atualmente.
Se os teóricos da identidade vêem-no como uma figura capaz de romper a prisão da identidade racial, sem sombra de dúvida, nós, pesquisadores da comunicação, já o percebemos como um legítimo índice da comunicação política pós-espetacular. Essa onda Obama não pode ser mais explicada pela acusação simplista que estaríamos vivenciando um retomada da “imagem sem corpo”: em que a política é constrangida pela teatralização, pelo vazio da imagem pública ou pela transformação da história em marcas e grifes. Obama não é um hamburguer, um sapato, como geralmente tratam os marketeiros políticos da TV/Rádio. Obama construiu uma reputação em rede, em que até as logomarcas com seu rosto são originadas pela produção de uma inteligência coletiva (designer, webmasters e publicitários comuns, amadores como gostam de dizer). Uma inteligência coletiva que transcende as fronteiras dos EUA.
Os anúncios e convocatórias de Obama à nação se faz pelo Youtube, e até sua transição de governo tem participação de seus colaboradores online, através do seu site Change.com. Obama era um “qualquer um” há dez anos, e foi alçado a presidente pelo seu talento político dentro do Partido Democrata, mas, sobretudo, pelos milhões de colaboradores que fizeram inverter a lógica de financiamento de campanha, ao dotar, com pequenas doações feitas por milhões de pessoas, o Fundo de Campanha de Obama de quase 1 bilhão de dólares.
A popularidade do político não se faz mais pela televisão, como inaugurou a era Kennedy. Agora se faz através do “poder do link” da internet. É o paradigma da referência que estamos a atravessar. Eu vi o seu vídeo, gostei, e referenciei no meu blog, que foi lido pela minha pequena audiência, que gostou e referenciou nos seus respectivos blogs e espalhou em suas listas de discussão. Enfim, a comunicação política da mídia tradicional é – e será – cada vez mais o lugar do comportado, daquele que produz clichês baratos, que idolatra o papai-mamãe. Não há debate. Este se deslocou para a grande rede.
Por que a onda Obama é enorme? Porque ela é tipicamente um fenômeno de rede, é um “enxameamento” (swarming), é uma atividade que vem de todos os lados sem ter, portanto, “centro de emissão”. Eu sou Obama, portanto, Obama é muitos. Como um “qualquer um”, Obama está como aquele estudante chinês, o qualquer um, defronte ao tanque de guerra – sua crise – na Paz Celestial. É o qualquer um que clama por mais democracia. Agora resta saber se o presidente vai ser ainda melhor que o candidato.