O #20D na Espanha: a hegemonia das “forças do Câmbio” no Twitter

#20D significa 20 de dezembro, quando ocorreram as eleições gerais na Espanha. Essa hashtag (#20D) foi bastante utilizada pelos partidos, candidatos, militantes e veículos de imprensa. O que fiz foi coletar os tweets dessa hashtag entre os dias 15 de dezembro (1h01min, horário de Madrid) a 21 de dezembro (1h01min, horário de Madrid). Alguns números: foram gerados 657.843 tweets publicados por 202.167 users. 16.545 desses tweets são replies, 478437 são retweets (feitos por 162507 remetentes para 24880 destinatários). E 261690 tweets possuem dados linkados (úteis para se coletar imagens, gifs, links de notícias etc).

O grafo representa os Retweets entre os perfis. Em rede desse tipo, a disputa eleitoral ocorre em torno do espalhamento de mensagens, para que os temas partidários se mantenham vivos nas timelines dos seguidores/amigos. Não há muita conversação e diálogo nessas redes, e sim uma disputa por abrangência e permanência das pautas partidárias no imaginário do eleitor-seguidor. Redes de Retweets são “territórios” dos iniciados, de militantes que atuam continuamente em torno de uma causa. Os indecisos – ou os menos atentos às disputas de opinião – podem estar nas bordas dessas redes (tá aí um território bom para ser explorado: os nós com “baixa gravidade”, que se parece, num analogia com o offline, com aquele popular que assiste um comício de longe: está atraído, mas prefere conversar com amigo ao lado, que também avalia tudo de longe).

 

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Mapa das interações entre perfis que retuitaram, em espanhol, mensagens contendo o termo #20D no Twitter.

Algumas observações que envolvem as eleições espanholas (a partir dessa rede de retweets com a hashtag #20D):

1. A rede #Podemos (mancha roxa) é a rede de maior protagonismo nos retweets acerca do #20D. Podemos é hoje a terceira força política da Espanha. É um partido com menos de dois anos de vida, nascido da confluência de forças sociais que emergem após os grandes acampamentos de praças em 2011. Aliás o termo “confluência” – e não “coalização” – tem sido um dos mantras dessa rede para significar um novo modo de se fazer política. Interessante notar a camada de movimentos (olha lá o @democraciareal) e da experiência catalã do en_comu_podem (que saiu vencedora na Catalunia) que circundam a rede #Podemos, que obteve 5,3 milhões de votos (um pouco a menos do que o PSOE). Uma boa hipótese para pesquisar: uma alta intensidade de (re)tweets, contagiante, de um grupo partidário pode apontar supresas eleitorais (no caso espanhol, o rompimento do bipartidarismo), mas não significa vitória no número de votos absolutos. Talvez são as redes de conversações (replies) que podem apontar uma relação mais próxima com os resultados eleitorais. Replies são como os comentários no Facebook, incontroláveis.

2. O crescimento da esquerda catalã (mancha vermelha clara, à direita) demonstra que a organização da campanha eleitoral dessa região é um dado político relevante a se considerar em termos das disputas em torno da “concluência” que ocorre agora após o pleito, quando um pacto precisará ser feito para a formação de um novo governo (em contrário, uma nova eleição deverá ser convocada).

3. Os partidos PP e PSOE (respectivamente, a primeira e a segunda força política espanhola) também estão desidratados no volume nas interações no Twitter. O PSOE (macha vermelha escura) e PP (macha azul escuro) foram atropelados pelas forças de “cambio” presentes no Twitter (o que inclui o novo partido – mais liberal – chamado Ciudadanos, a mancha laranja na rede) . Talvez o maior impacto desse desidratar-se no Twitter (rede de alta intensidade na Espanha) mostra-se agora nas redes, quando o dilema PSOE (ser ou não ser base de um possível governo do PP; ou ser ou não ser a liderança que puxaria mudanças profundas junto com o Podemos) revela a incapacidade de mobilizar apoios na rede para sua plataforma política num eventual novo governo. Assim, vale à pena os estudos de comunicação política digital centrarem força em responder por que partidos vitoriosos nas urnas não conseguem ter sustentação política (em termos de percepção e opinião) nas redes sociais, e até quando eles sobreviverão, e até quando suas estratégias offline estarão desconectadas.

4. Pelo que eu vi, as redes do Twitter são ótimas por permitir visualizar todas as forças políticas no mesmo platô. Pode ser interessante a coleta de dados dos últimos 3200 tweets (o que o Twitter oferece) de todos os 162507 perfis presentes na rede, para estudos políticos mais aprofundados.
Para quem não entende esse monte de pontinhos e linhas coloridas. Uma curta explicação:
* os pontinhos são perfis no Twitter (ou seja: gente, instituições, imprensa, bots, fakes e outros bichos). Já as linhas representam ligações entre perfis, isto é, representam retweets (que é o ato de compartilhar uma mensagem no Twitter). Assim, quando há um retweet, o software cria uma linha entre dois pontos. Quando um perfil retuita muitas vezes um outro, a linha entre eles ficará grossa. Linhas grossas significam intensidade de relação entre dois pontos.
* as cores denotam os (1) “grupinhos” que esses perfis formam ao compartilhar mensagens uns dos outros; ou denotam um grupo de fãs que compartilha a mensagem de um “ídolo”.
* Tecnicamente esses grupinhos são chamados de “clusters”, mas eu os conceituo como ‘perspectivas’, por representarem pontos de vistas dessa multiplicidade de perfis (que acedem a um modo de ver, sentir ou perceber um acontecimento). Na prática, a mancha vermelha “pensa” de forma distinta da mancha laranja. A questão é então é saber as diferenças/multiplicidades que esses pensares implicam. É claro que com isso me filio aos estudos que atuam mais no horizonte da multiplicidade do que das individualidades.
* quanto mais densas são as cores que representam esses “grupinhos”, mais homogênea é a relação entre eles, ou seja, maior será a coesão do grupo em torno de ideias, pessoas e visões de mundo.