Ana de Holanda, D. João VI e o caso Creative Commons

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Entrevista que concedi a Leandro Uchoas, do jornal Brasil de Fato, sobre o caso envolvendo Creative Commons e o Ministério da Cultura.


by @barbaraszanieck

by @barbaraszanieck

1. O que representa a retirada da licença Creative Commons do site do MinC?

A retirada da licença Creative Commons do site do MinC, de forma apressada, demonstra uma medida truculenta da ministra Ana de Holanda. Nada justifica a exclusão do símbolo da luta política pela socialização de conhecimento digital no site do MinC, quando isso não se faz dentro do espirito democrático do diálogo e da moralidade administrativa (o Creative Commons tinha um contrato com o setor jurídico do MinC). O MinC protagonizou avanços formidáveis com suas políticas culturais durante o governo Lula, e o abrigo da licença CC demonstrava que o ministério governava com os movimentos sociais da cultura digital ao seu lado. Veja, a base tecnológica que faz operar a totalidade dos pontos de cultura (que são mais de 4 mil no país) roda sobre licenças que reiventaram o direito autoral, em especial, o copyleft e o Creative Commons. Me pergunto onde a ministra estava nesses últimos anos que não tenha acompanhado toda complexidade que o mundo passa no campo da cultura digital, sobretudo o conflito aberto entre a inovação do mercado da cultura livre e as açōes proprietárias de Google, Facebook e todos os monopólio digitais. É claro que a retirada do selo CC demonstra o lado social onde se encontra, até o momento, a ministra Ana de Holanda: o da defesa irrestrita dos direitos autorais do século XX, cujo recolhimento e distribuição financeira para os autores, na prática, viabilizou toda a formação de uma indústria intermediária da cultura, facilitando a formação de monopólios industriais da cultura e o constrangimento de autores a regras de mercado que fizeram excluir toda uma geração formidável de autores, que se recusavam a obedecer as regras ditadas por esse capitalismo autoral. Então, na prática, o direitor autoral, tal como funcionava no século XX, operava dentro da lógica da “inclusão abstrata e exclusão concreta” do autor, isto é, o autor existia no direito, incluido como portador de toda criação do espírito. Mas, na prática, só era autor quem obedecia a indústria cultural, que era a verdadeira proprietária dos direitos. Abstrato no direito, exclusão concreta no mercado. O Creative Commons é até mais liberal do que o copyright puro-sangue defendido pela ministra, porque, ao permitir a flexibilização do direito (por meio de diferentes tipos de licenciamento), conjugado a existência de plataformas de distribuição de conteúdos na web, faz aquele autor “menor”, totalmente excluído do direito autoral do século XX, se conectar diretamente com o seus públicos ( ele decidir o que pode e o que não pode, e não uma indústria). E isso mobiliza novos arranjos produtivos da economia criativa, para usar o termo do novo léxico do MinC. Aliás, um léxico inventado pelos tucanos em épocas neoliberais no Brasil.

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2. Como o movimento de Cultura Livre está se organizando para se posicionar nesse debate?

A primeira reação foi a de susto, que desencadeou uma série de depoimentos na própria internet. Criação de blog protesto, viralização de críticas nas redes sociais, enfim, acionou-se a rede, que se viu mobilizada por atores de diferentes posiçōes políticas e de campos sociais díspares. Depois veio uma atuação junto ao próprio MinC, que não recebeu deputados do PT que cobravam uma justificativa plausível pelo fim da cultura livre no MinC. A ministra, ao contrário, recebeu um advogado ligado ao Ecad, uma instituição no qual ela tem ligação. O clima agora é de tensão, e não sei se será possível uma reconciliação. Agora toda mobilização, que é feita de modo público, se dá junto aos pontos de cultura e de artistas plugados à cultura livre, a fim de se estabelecer uma pauta comum de antagonismo a esse conservadorismo da ministra e que, sobretudo, faça o MinC reinserir a licença creative Commons em seu site. E, por outro lado, de maneira mais institucional, há uma pressão sobre o PT para que ele responda se essa gestão do MinC é de esquerda ou nao. Será o MinC dos trabalhadores ou não? Porque se nao há Cultura livre instalada no MinC significa que o PT defende um mundo em que o trabalhador se relaciona com o poder público através da formas jurídica “empresa”, isto é, defende que o direito autoral seja operado por apenas associaçöes e mega empresas, e nao um mercado que quem dita as regras são os próprios trabalhadores (artistas, jornalistas, produtores, designers, arquitetos, enfim toda uma gama ampla de gente que vive da cultura).

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3. Ana de Hollanda no MinC foi uma articulação do PT. A política que ela está adotando está em sintonia com o que defende o partido? Se não, como se explica a nomeação?

Eu nao sei responder pelo PT, que é um partido popular e cobrará uma postura pública da ministra, que, por enquanto, mandou “todos dizerem o que querem dizer” – um tipo de postura autoritária dissonante do histórico do PT. Mas um dia ela terá de enfrentar frente a frente esses movimentos, porque a função pública de ministra do Estado requer diálogo, convencimentos, práticas de diálogo e enfretamento aberto. Agora a nomeação da Ana facilita muito essa “cultura do Rio de Janeiro”, um modelo decadente do pensar e do fazer política cultural. Um modelo que combina “classe artística” com indústria cultural (que a ministra, usando eufemismo, chama de industria criativa). O Rio de Janeiro é o único lugar onde a cultura independente não vigora sem passar pelo filtro dos grandes grupos de comunicação e cultura. Isso por quê? Porque há ali um aristocracia alimentada por uma promiscuidade entre artistas e a mídia dos direitos autorais. Esse modelo cria um represamento da potência criativa da cidade. E o MinC do governo Lula rompeu com esse “Rio de Janeiro” para pactuar com um outro “Rio de Janeiro”, o do funk, do hip hop, do samba, das culturas populares, do circuto independente, que alimentam hoje centenas de pontos de cultura de todo o Estado fluminense; potnos de cultura que vivem, de forma precária, lutando contra a “sociedade dos cachês”, que lembra muito a economia do futebol, onde há poucos ganhando muito, e muitos ganhando uma miséria. Infelizmente o século XX chegou ao MinC do governo Dilma, com pitadas de D. joão VI: sem lugar para morar, a corte portuguesa, ao desembarcar na cidade do Rio de janeiro, tomou as casas da multidão que produzia o Brasil, e prensou em cima da porta de cada uma delas: Princípe Regente. Logo a multidão traduziu o PR por “Ponha-se na Rua”. Essa é um pouco a sensaçåo que nós, militantes da cultura livre, que produzimos o Brasil, junto com tantos outros trabalhadores que lutam pela sua “independência” e pela criação de um mercado mais justo, estamos nos sentindo: todos postos na rua. Sem açúcar e sem afeto.

Ps: As respostas do texto acima foram totalmente inspiradas nas posições públicas de Giuseppe Cocco sobre o assunto.