Porto Velho-RO passou. A cidade é indiferente. Mas tem o Zé, do Banzeiros. Grande figura que vai ajudar dar um gás na blogosfera por lá. Então foi uma estada difícil. Mas havia o rio Madeira. Havia aquela barcaça. Havia o boto. Passear na barcaça me deu a mesma sensação quando estou de frente para a praia. Calma, muito calma. Só foi 1 horinha. Nada mais. Chega a hora de ir para Macapá.
Cheguei a Macapá bem tarde. 1 hora da matina. 6 horas de vôo. Lia na viagem Foucault, que me perturbava (“ouvir é patético e lógico”, dizia). E eu pensava sem parar (, meio que, é…) para tentar chegar a uma hipótese sobre por que blogamos. Confissão? Fluxo de pensamento? Portar verdade? Relacionar-se? Eu lia A hermenêutica do sujeito com uma dose de esperança na filosofia para me fazer entender qual é a subjetivação da blogosfera. Eu registro, eu deixo uma memória. Ok. Mas por quê? Tem coisas que a gente só precisa guardar na memória… Aí, ao ler, eu fui me deparando com o fato de que blogueiro não escuta… Gosta de ver e escrever. É, portanto, tato e visão. Foucault explicava o que é ouvir e escrever muito facilmente, ele relatava a gênese do diário, localizando-o na história como um dispositivo de escrita que faz do sujeito um produtor de verdade de si (na Antiguidade, só os filósofos conduziam o sujeito à verdade, depois o cristianismo criou a confissão como uma estratégia para o alcance da verdade pura). Mas, depois da Reforma, o diário revoluciona a subjetivação, pois que se trata da escrita que busca uma verdade de si para o outro. Tô confuso… porque blog não é diário, mas pode ser também. E ninguém criou o blog na revolução protestante. Aí, fiquei filosofando. Desisti, pensei que estava longe de casa, do filho, da mulher, dos meus alunos, amigos. E volto pra filosofia. E volto para casa. Casa-filho-e a mala vem vindo… “Puts, tá toda suja minha mala vermelha”, “A Francis vai detestar”. A mala é dela. O vermelho foi idéia minha. Mas a posse é dela.
O táxi não chega. Chega. Entro. Saio. Hotel ruim (nem tanto, mas tem mosquito). Durmo. Café. Internet e Foucault. Outro hotel. Calor. Rio Amazonas é lindo. É maior que a praia em frente de casa. Durmo. Estudo. Internet.
(…) (…) zzzzzzzzzzzzzzzz Ai, meu Deus, que horas são?
são 17h30
Enfim, reunião de blogueiros, novos amigos. 18h. Estou em terceira pessoa. Sem visão, sem tato. Agora só quero escutar. Patético (passivo) e Lógico (a verdade vai entrar pelo ouvido). Foucault, me ajuda.
Abraço Alcinea Cavalcanti. Depois digo oi para todo mundo. Todo mundo conta história do seu blog. E, eu pensando, não quero anotar nada. Só quero ouvir. Todos: “a internet chega via rádio”. A liberdade acontece à noite em Macapá. É quando a imaginação chega. Antes, casa-trabalho-casa. Eu sou de fixar preso a frases soltas. Narrar me cansa, inventar um caminho me fatiga. Eu fiquei ouvindo coisas tão bonitas de por que cada um resolveu aparecer ao mundo, e boom, escrever. Dulci resolveu blogar por que sua expressão não cabia no relise, única linguagem possível no seu cotidiano. Criou o blog Além do Release. No final, só queria construir a verdade com o outro. “Sentia falta de ter pares”, conta.
Havia aqueles que desistiram do blog. Mas continuavam blogueiros. Esquisito? Não. É porque há um momento em que o blog não encaixa na gente. Aí deixamos o tempo sem tempo. Em suspensão. Depois a gente volta. Com um novo nome, uma nova verdade a construir e defender. Depois, ela se sedimenta. Começamos tudo de novo. O blog não muda nem de nome, nem de casa. Muda de gente mesmo. “Eu tô parado, mas vou voltar”, dizia o Alípio, que saca de sistema de informação, hacker de primeira. Especializou-se em tornar público falcatruas dos gastos que estão escondidas nas inúmeras tabelas dos bancos de dados em linguagem mysql. Adora desvendar os valores de empenho de governos. O Alípio é tímido. Mas tem domínio próprio. Foi intimado pela família Sarney. Divulgou matéria da Veja sobre o escândalo da grana do marido da Roseana Sarney. 2002. Alípio agora faz mestrado em Desenvolvimento Regional.
Há os que estão num ritmo mais lento. Porque Aprendem. Alfabetizam-se. Ou porque o blog não era dele. Era de alguém que queria trabalhar com a juventude. A juventude passou, e o blog não tem para onde ir. Normal, Patrique. Guarde o blog, pois mais juventude vai chegar. Mas estão a criar um território para a cultura, onde o tempo não possui premência. Ou num ritmo mais lento. “Eu não tiro férias do meu blog, eu digo que estou devagar”. Mesmo na viagem, um post pode brotar. Então, fiquemosssss de v a g a r z i n ho ooooooo. É um vexame romper o pacto ético do ócio. Tem coisa pior que dizer que se está de férias e dar uma passadinha no trabalho. Então o legal é “estar devagar”. Adorei, Alcinele. Vou copiar.
Por falar na Alcilene, seu blog recebe diariamente relises da galera das assessorias. É a principal blogcolunista local. Faz tanto sucesso que, depois que colocou um anúncio de aniversário, sua caixa de email vive entupida de pedidos de notinha. “Ô, Alcinele, tem como colocar a notinha de aniversário do meu chefe?”. Querem torná-la colunista social. Ele resiste. Rimos um bocado. De doer a barriga. Ela atualiza o seu bichinho à noite. A família reclama do computador ligado (esse povo de hoje, né!, só vive no computador). É gestora no Ministério Público. Mas quer ter mais um blog, um de culinária. Foi outra vítima da censura do Sarney. O blog virou poeirinha. Depois voltou.
A da irmã, a Alcinéia Cavalcante, também foi pro ralo. Nossa amiga, que liderou o movimento Xô, Sarney na web se tornou blogueira muito respeitada no Brasil inteiro. “Conheci tanta gente boa por conta disso”, conta rindo à toa. A campanha gerou 50 mil páginas mundo à fora. E uma indenização moral (Égua! Vê se Pode isso!!) ao Sarney de R$ 2 milhões. “Eu sou abusada”, diz. A história dela é longa (não vou contar aqui tudo, porque não sou bobo, vou guardar para o livro sobre blogueiros brasileiros que fazem realmente a diferença). É respeitadíssima pelos pares. Deve ter lá suas contradições, mas tem convicção com elegância. Usa a elegância para superar a censura. A última começou com a negação da credencial para cobrir o Carnaval do Amapá. Sacanagem, é fundadora do Carnaval daqui. “Sem problemas. Não preciso de credencial para cobrir o carnaval”. Engalfinhou-se pelo povão. E retratou no blog os serviços que eram oferecidos à população. “Nossa, a Alcinéia colocava fotos dos banheiros do sambódomo, imundos, impossíveis de usar, com fezes deixadas no chão em sacolas de supermercado”, disse a Dulci. Sony Cibershot poderosa…
Foi um escândalo. O banheiro e o cocozão. E Alcinéia ri. “Se eu tivesse credencial, não iria ver nada daquilo”, brinca.
Na mesa, tinha também poeta, jornalista e atriz. Adorei ler o Égua não e o Neste Instante. A Kiara Guedes edita ambos. É atriz, poeta, é empresária. É inquieta mesmo. Diz que estão a viver um momento de liberdade para se expressar, mesmo com os constrangimentos impostos pela censura dos políticos locais e da subserviência descarada de algo chamado de imprensa (não é, não é não). Antes eram estátuas vivas. Cansaram de brincar de ficar parado. Agora alguém toca no corpo, fazendo- reviver. “Estamos tocando uns aos outros, acordando e ficando ativos”. Quer ter um blog com design mais arrojado. É a mais vaidosa do grupo. Vaidade boa. Auto-estima lá em cima. Por causa dos seus poemas virtuais, é conhecida e tem seguidores.
Tudo soa politizado nessa mesa. Explico um pouco quem sou eu (negócio complicado sempre). Tiramos fotos. Conversamos mais. Fizemos planos. Comemos o bolo de milho que Alcineia indicou (lembrei da minha avó, a italianada, “vó, tenho que visitá-la”, ai que culpa por isso, normal). Todos se vão. Eu e Alcinéia papeamos, vamos tocando um noutro. Nada de estátua mais. Falamos de política, da vida, do táxi. Ganho uma carona. Chego ao hotel.
Encontro Foucault. Arguo: quem disse que blogueiro não ouve? Patético e lógico fico.
Amanheceu. Tô com saudade do Pedro. Beijos, filho, agora deves estar no mais pesado dos sonos.
E na televisão passa Big Brother, um monte de gente transformada em estátua.
É isso, Um “post escrito de ouvido”.