O Henrique Antoun me deu uma tarefa para lá de desafiante: entender como Antonio Negri incorpora o pensamento de M. Foucault, especificamente aquele que vai de Em defesa da sociedade à A coragem da Verdade (1976 a 1981), quando Foucault se debruça em compreender o regime de poder que ultrapassa a disciplinaridade, o biopoder:
[O biopoder] não se trata de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação. (Foucault, M. Em defesa da sociedade, p.294)
Desde então tenho revisto a obra do Negri (acho que li mais de 80% de seu amplo trabalho). E, de fato, Antonio Negri recupera o debate dos 80 de Foucault para revigorar o seu conceito de poder e, com isso, enxergar os antagonismos que se abrem dentro do nosso mundo. Claro que nosso interesse é os antagonismos dentro da cibercultura. A partir de Foucault, o filósofo italiano toma e reiventa o conceito de biopolítica, para fincar os novos modos de conflitos políticos no interior do capitalismo cognitivo.
o poder hoje, a internet e o Wikileaks
O objetivo dessa revisão teórica (o de biopolítica) é para analisar melhor os movimentos do franco-falar (parhesia) que explodem na sociedade contemporânea, sobretudo aqueles que se tornam sujeitos contra o controle e o governo da internet. Buscar entender por que os conflitos que produzimos estão, a cada dia que passa, relacionados a tensões entre verdade e poder, entre liberdade e censura, entre narração coletiva e interpretação única dos fatos, entre controle privacidade/transparência, ao debruçarmos sobre a maneira como a Internet é contruída dentro de um campo de poderes distintos, mas todos imanentes ao modo como o capitalismo se organiza e se é antagonizado. Não há nenhum lugarzinho na rede que esteja fora da subsunção desses poderes. Nenhum paraíso virtual.
O Wikileaks talvez seja o exemplo mais dramático dessas lutas informacionais, por ser, ao mesmo tempo, a pedra detonadora do “olho do poder”, ao tornar transparente todas as armações de governos e corporações mundo à fora; e vidraça para essas organizações destruirem, à medida que elas exigem a quebra do sigilo das bases de dados da web 2.0 (Facebook e Twitter) onde se hospedam todas as conversações privadas dos ativistas do Wikileaks, abrindo a porteira para, através das leis da Democracia global, processar representantes da sociedade civil por violarem a segurança nacional dos páises e por “difamarem” as estratégias econômicas de grandes corporações. Essa é uma luta, portanto, imanente. Por um lado, o fluxo comunicacional do Wikileaks se faz dentro dos novos dispositivos de controle e regulação de imensas populações (transformadas em público participativo); por outro, é o próprio Wikileaks detonador dos poderes que financiam e alimentam esses mesmos dispositivos vigilantes 2.0.
Então, por aqui no blog, vou trazer – em alguns posts – essa relação Foucault/Negri para cumprir a missão dada pelo Henrique Antoun. E prometo um texto lindão sobre “Modos de censura e lutas pela liberdade na internet”.
Bacana, Malini. Vou acompanhar…Como você sabe, li muito de Foucault, mas quase nada de Negri. Vou aprender aqui. beijo.
Oba, Fernanda.
Assim você me ajuda, porque, pelo visto, Negri fez um carnaval do Foucault.
Já até falei com o Antoun, por email, a “con-fusão” Negri e Foucault é grande, mas é inteligente.
mais tarde, o primeiro post será a revisão do próprio Negri sobre o conceito de biopoder num curso de 2006 aí em Paris.
à noite eu posto.