Negri e Hardt refletem sobre o #OcupaWallStreet


“Muito se tem dito sobre mídias sociais como Facebook e Twitter, sempre usados nos acampamentos. Esses instrumentos de rede, evidentemente, não criam os movimentos, mas são ferramentas úteis, porque, em vários sentidos, correspondem à estrutura dos experimentos horizontais e democráticos dos próprios movimentos. Em outras palavras, o Twitter é útil, não porque divulga eventos, mas porque reúne as ideias de uma grande assembleia, para uma específica decisão, em tempo real”.

The Fight for “Real Democracy” at the Heart of Occupy Wall Street” – Artigo novo de M. Hardt e A. Negri, traduzido para o português por Vila Vudu.

Biopoder e a fábrica social

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O que a ciência nos entrega é uma grande sabotagem social.
(Antonio Negri)
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Antonio Negri insiste em demonstrar que a conceituação sobre biopolítica é ambígua. É, de um lado, a vida como objeto de governo; mas, de outro, a vida que não se oferece plenamente como dominada, abrigando toda a generalização da resistência. Isso – a ambiguidade – não se revela como dual, mas interior às próprias dinâmicas da vida subsumida ao poder: “toda dominação é sempre também uma resistência”, cutuca Negri em La fabrica de porcelana, p.46). Temos aí toda a filosofia política do antagonismo muito presente na obra do italiano. Só para reforçar: antagonismo negriano não tem pretensão de criar sínteses dialéticas. Só há derrotas e vitórias.

Em Negri, a análise da biopolítica é desenvolvida no marco da subsunção real do trabalho no capital, o que significaria dizer que não há mais tempo da vida, um tempo fora da relações de produção capitalística, porque “o tempo de trabalho inundou o tempo da vida”. De forma que toda nossa linguagem, nossa corporeidade, nossa comunidade, enfim, tudo aquilo que antes se dizia como campo da reprodução é  o locus preferencial da mercantilização e da captura dos capitais. A vida toda é mercantilizada, não importa sem em bytes ou se em átomos.

Não é dificil evidenciar que o  terreno da reprodução é hoje um locus produtivo de valor.  É só se debruçar sobre o conflito entre grandes corporações tecnológicas (Google, Facebook, Apple etc) para testemunhar como boa parte delas se dedica a fabricar máquinas imersivas por onde a vida passa e se fixa nos termos e códigos de uso de suas plataformas 2.0. Máquinas que hospedam a vida na forma de “status”, curtições, “atualizações”, “preferências”, “posts”, fotos, recados, testemunhos, enfim, modos de vida que estão cada vez mais dentro da dinâmica desse poder revitalizado do capitalismo 2.0 (veja toda a polêmica sobre a apropriação de dados privados então saqueados por agentes instalados nos ambientes do Facebook, Google,Twitter etc).

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Biopolítica, por Simone Sobral

Minha amiga querida Simone Sobral (UFSC) mandou-me, direto de Paris, onde faz pós-doutorado, algumas observações sobre o dossiê  biopolítica/biopoder em Foucault, que me aventuro a fazer, por aqui. Ela extraiu esse trechinho do seu livro, “Foucault e a resistência”, em que mostra onde o termo se origina:

O conceito de Biopoder, formulado na genealogia das relações de poder, é tematizado  por Michel Foucault durante toda a década de 70. Aparece em 1976 no primeiro volume da História da Sexualidade, mas faz parte de suas investigações observadas nos cursos proferidos no Collège de France em 1975-76 (“É preciso defender a sociedade”), 1978-79 (Segurança, território e população) e  1979-80 (Nascimento da Biopolítica). Esse termo já pode ser notado na conferência proferida por Foucault, quando de sua vinda ao Brasil em 1974: O nascimento da medicina social, onde define o corpo como uma realidade biopolítica. Perpassa a conferência As malhas do poder (em 1976, o Brasil), presente como a gestão das forças estatais, no séc. XVIII; e, também, em 1982, na Univ. de Vermont, com o título A tecnologia política dos indivíduos;

Simone reforça o coro daqueles que afirmam que Antonio Negri reutiliza o conceito de biopoder para estendê-lo e concatená-lo à visão deleuziana de “sociedade de controle”. De novo, outro trecho de seu livro:

No livro Império, Negri e Hardt utilizam o conceito de Biopoder por entenderem que “em muitos sentidos a obra de Michel Foucault preparou o terreno para essa investigação do funcionamento material do mando imperial”[1] (2001:42). O Biopoder ou a vida como objeto do poder é o novo paradigma produtivo, é a forma de funcionamento Imperial na sua gestão política, econômica, social, cultural, perpassando toda a constituição capitalista.

[1] “Em primeiro lugar a obra de Foucault nos permite reconhecer uma transição histórica, de época, nas formas sociais da sociedade disciplinar para a sociedade de controle. (…) A seguir, a obra de Foucault nos permite reconhecer a natureza biopolítica do novo paradigma de poder.” (2001:42-43)

A biopolítica e a inflação das liberdades (Dossiê Negri/Foucault – I)

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“Em Foucault, encontramos não somente uma definição do biopoder que retoma e históriciza as análises da Escola de Frankfurt, mas também a definição de uma biopolítica ativa e a demonstração progressiva de um processo de produção das subjetividades, capaz de transformar os sujeitos em suas relações com o poder, como também o próprio poder” (Antonio Negri, em A fabrica de porcelana).

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O conceito de biopolítica nasceu no curso que Michel Foucault ministra no College de France, intitulado “Il Fault Défendre la Societé”, de 1976, traduzido no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 1999, com o nome de “Em Defesa da Sociedade”. A primeira aula deste curso é formidável, com Michel Foucault trazendo ótimas indagações sobre o conceito de poder. E ainda demonstrando a sua hipótese: a guerra é o fundamento da sociedade civil. Durante todas as aulas se verá um Foucault que faz uma espécie de arqueologia da guerra, para se chegar ao racismo e a luta de classes como os principais fenômenos da guerra no âmbito da sociedade política.

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o conceito de biopolítica/biopoder: o governo da população

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Em todo trabalho do filósofo francês, biopolítica e biopoder serão termos sinônimos. E servirão para revisar suas teses sobre o funcionamento do poder. Antes voltado ao disciplinarmento dos corpos, o poder se transmutaria a partir do momento histórico (final do século 18) em que a produtividade social advém da aceleração dos fluxos sociais e econômicos.

Foucault usa a metáfora das cidades para explicar esse processo. Para ele, a filosofia fisiocrática fez ecoar no Ocidente a visão de que a produtividade se conforma na produção livre de fluxos econômicos e sociais. Assim, os poderes locais passam a não mais ter como missão a proteção territorial. A soberania, antes, associada à conquista de novos territórios e na capacidade de mantê-los intactos ao seu poder, se transmuta com o desenvolvimento da “cidade-mercado”: agora deve derrubar qualquer barreira territorial para fazer fluir a economia. O fluxo de pessoas, moedas, mercadorias, ideias, crenças, será ainda mais praticado com a propagação dos ideais liberais, acarretando uma metamorfose no objeto fundamental do governo da cidade. Agora é a “cidade-mercado” que florescia, de forma paulatina, carregando consigo um novo modo de governo, que garantia o comércio interior/exterior, controlava o (a)fluxo das populações errantes e nômades e monitorava, através da demografia e da medicina social, os comportamentos populacionais no território.

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Dossiê Antonio Negri e Michel Focault: (Introdução)

O Henrique Antoun me deu uma tarefa para lá de desafiante:  entender como Antonio Negri incorpora o pensamento de M. Foucault, especificamente aquele que vai de Em defesa da sociedade à A coragem da Verdade (1976 a 1981), quando  Foucault se debruça em compreender o regime de poder que ultrapassa a disciplinaridade, o biopoder:

[O biopoder] não se trata de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação. (Foucault, M. Em defesa da sociedade, p.294)

Desde então tenho revisto a obra do Negri (acho que li mais de 80% de seu amplo trabalho). E, de fato, Antonio Negri recupera o debate dos 80 de Foucault para revigorar o seu conceito de poder e, com isso, enxergar os antagonismos que se abrem  dentro do nosso mundo. Claro que nosso interesse é os antagonismos dentro da cibercultura. A partir de Foucault, o filósofo italiano toma e reiventa o conceito de biopolítica, para fincar os novos modos de conflitos políticos no interior do capitalismo cognitivo.

o poder hoje, a internet e o Wikileaks

O objetivo dessa revisão teórica (o de biopolítica) é para analisar melhor os movimentos do franco-falar (parhesia) que explodem na sociedade contemporânea, sobretudo aqueles que se tornam sujeitos contra o controle e o governo da internet. Buscar entender por que os conflitos que produzimos estão, a cada dia que passa, relacionados a tensões entre verdade e poder, entre liberdade e censura, entre narração coletiva e interpretação única dos fatos, entre controle privacidade/transparência, ao debruçarmos sobre a maneira como a Internet é contruída dentro de um campo de poderes distintos, mas todos imanentes ao modo como o capitalismo se organiza e se é antagonizado. Não há nenhum lugarzinho na rede que esteja fora da subsunção desses poderes. Nenhum paraíso virtual.

O Wikileaks talvez seja o exemplo mais dramático dessas lutas informacionais, por ser, ao mesmo tempo, a pedra detonadora do “olho do poder”, ao tornar transparente todas as armações de governos e corporações mundo à fora; e vidraça para essas organizações destruirem, à medida que elas exigem a quebra do sigilo das bases de dados da web 2.0 (Facebook e Twitter) onde se hospedam todas as conversações privadas dos ativistas do Wikileaks, abrindo a porteira para, através das leis da Democracia global, processar representantes da sociedade civil por violarem a segurança nacional dos páises e por “difamarem” as estratégias econômicas de grandes corporações. Essa é uma luta, portanto, imanente. Por um lado, o fluxo comunicacional do Wikileaks se faz dentro dos novos dispositivos de controle e regulação de imensas populações (transformadas em público participativo); por outro, é o próprio Wikileaks detonador dos poderes que financiam e alimentam esses mesmos dispositivos vigilantes 2.0.

Então, por aqui no blog, vou trazer – em alguns posts – essa relação Foucault/Negri para cumprir a missão dada pelo Henrique Antoun. :) E prometo um texto lindão sobre “Modos de censura e lutas pela liberdade na internet”.

Negri sobre a crise

Tá aí uma entrevista do Antonio Negri sobre a crise financeira:

Dado que la globalización no es un sueño, sino un realidad, esta crisis, -que ha estallado desde abajo en EE.UU, donde no ha sido una crisis bancaria inventada, sino surgida de un déficit de gasto que debía sancionar la paz social; y cuando este déficit ha saltado por los aires, la crisis ha estallado por esto- se está expandiendo a todo el mundo, porque el mundo es global y no hay soberanía, ni Estado soberano ni banca nacional que pueda defenderse. Llegados a este punto hay dos caminos absolutamente evidentes. Por un lado está el tránsito del nivel financiero al nivel empresarial, de la producción en general. Es una auténtica recesión económica que se impondrá en breve en todas partes. Ya ha sido ampliamente anunciada: todos los índices de crecimiento para el año próximo se limitan para los países centrales a un crecimiento del orden del cero coma algo, para los países emergentes de cifras de un dígito, llegándose al 10 por cien de forma muy excepcional. Por lo tanto, se estabiliza la recesión, es decir, se estabiliza lo que es una gran destrucción de riqueza pública. Aquí nos encontramos con interpretaciones muy extrañas que vienen de personas de la derecha que fingen una autocrítica diciendo: “Ah, estos banqueros delincuentes nos han dejado sin blanca!” El hecho es que las finanzas se han convertido actualmente en un instrumento productivo como los demás. Ya Marx reconocía ampliamente que las finanzas eran un instrumento fundamental para ampliar el campo de las inversiones. Dentro de la globalización, por ejemplo, todo el proceso que ha llevado a países enormes como China e India al umbral de la madurez industrial, todo el gran desarrollo de autonomía, fuera de la dependencia, que se ha dado en América Latina, no hubiera sido posible sin los grandes recursos, la gran organización de las finanzas. Por otra parte, hoy es difícil distinguir el capital productivo de bienes materiales del capital que se organiza en las finanzas. Por el contrario, es casi imposible, no hay posibilidad de distinguir el beneficio de la renta, y la renta financiera se ha tornado absolutamente hegemónica. No hay ningún gran industrial italiano que no esté también en Mediobanca: es decir que no decida los destinos financieros del país con todo lo que ello supone. El problema central es comprender cómo hacer para parar esta deriva: yo creo que esto solo puede hacerse relanzando completamente la capacidad de las poblaciones, de la gente que trabaja, de reconquistar sus niveles de ingresos y por lo tanto de reabrir circuitos de vida, de consumo y de relativa liberación dentro de este ámbito. Pero todo esto no puede hacerse sino a través de las luchas, porque está claro que la forma en la cual hoy el capital se afirma es mediante la represión del consumo más elemental, del consumo de reproducción, por supuesto en los niveles que hemos alcanzado. Y en ese plano se trata de luchar porque –si ahora los capitalistas quieren reconstruir sus fortunas, ¿qué hacen?– deben continuar oprimiendo, comprimiendo las necesidades de subsistencia y reproducción de las multitudes y esto me parece muy difícil.


Negri e Cocco sobre Maio de 68

Entrevista com Antonio Negri e Giuseppe Cocco publicada hoje no blog do Caderno prosa e Verso, do Globo Online, sobre o Maio de 68.

Em Maio de 68 o desejo se tornou incontornável e produtivo. Esta foi sua característica: produção desejante, transformação do desejo em ação, a vida enquanto ação. Foi uma luta ou um conjunto explosivo de lutas que, por um lado, atacavam a ordem fabril e sua lógica da produção massifica. Por outro, desenvolvia uma crítica da sociedade do consumo padronizado, em termos diferentes do pessimismo da Escola de Frankfurt. A luta contra a sociedade do espetáculo, que Guy Debord tinha antecipado, iria além do pensamento negativo de Adorno e Horkheimer. A condição do consumidor, espectador como receptor passivo, era ultrapassada pela democratização da tomada da palavra, pela inovação das linguagens: afirmou-se uma nova relação entre ação e vida.