NAO VAI TER COPA: A APROPRIAÇÃO CONSERVADORA NO TWITTER

Trabalhando na revisão da dissertação de Jean Medeiros sobre o movimento ‪#‎NãoVaiTerCopa‬ (2014) no Twitter. A dissertação apresentará também o conceito de “taxa de diálogo”, que construímos conjuntamente. Mas queria dar um spoiler sobre minha conclusão em torno do movimento #NãoVaiTerCopa: ele foi completamente embalado à vácuo por perfis ligados ao atual campo conservador. Foi uma dobradinha interessante: os movimentos de rua eram brutalmente reprimidos na rua, e a turma do‪#‎VemPraRua‬ construía massivamente uma máquina de bots e outros bichos para propagar essa repressão, notificando continuamente muitos veículos de imprensa e webcelebridades, mas sempre com um viés antipetista. Não é à toa que a correlação das hashtags “NãoVaiTerCopa” e “ForaDilma” tenha se revelado a simbiose mais oportunista no discurso das publicações no Twitter. Quem estiver a fim de dar um confere pode analisar o perfil-hub @_naovaitercopa (http://twitter.com/_naovaitercopa). Hoje ele se chama ‪#‎VemPraRuaBrasil‬, com avatar escrito “tchau querida”. É impressionante como os coletivos que conduziram as ruas de 2013 a 2014 deixaram um vácuo enorme na condução das narrativas sobre seus respectivos movimentos. E isso explica, contraditoriamente, a própria emergência da “nova direita”, que se apropriou inteiramente das lutas para ressignificá-las através de um vocabulário antipetista (que servia a um alvo eleitoral do período). É claro, houve uma contra-narrativa governista (a tal‪#‎copadascopas‬), mas que foi atropelada pela rede boleira (‪#‎vaitercopasim‬‪#‎imaginanacopa‬, a da zueira). Proporcionalmente, no campo eleitoral, esse vácuo narrativo também ocorreu (ainda continua) na campanha de Marina Silva (não na do Eduardo Campos, que, é bom lembrar, abusou de robôs logo no começo da sua campanha, quando se lançou presidente). E talvez esse antipetismo, longe de ser o traço que amalgama a crítica dos movimentos pós-junho, seja o substrato narrativo mais bem sucedido desde lá.

As redes sociais no twitter dos candidatos petista e tucano a Prefeitura de Vitória

Interessante a análise da Rede do Luiz Paulo Vellozo Lucas em comparação com a da Iriny Lopes no Twitter.
De 10 de agosto até hoje, @LpVellozo teve seu nome mencionado em 1811 Retweets, gerados por 118 perfis no Twitter, a partir de tweets publicados por 80 pessoas (número de bolinhas aí da figura).Em termos de tweets, recebeu 3221 tweets (37% de menções negativas).

Fiz o mesmo gráfico para a candidata do PT, Iriny Lopes. A rede dela produziu menos RTs: 1045. Contudo, eles foram gerados por 185 perfis no Twitter. A rede do LP sofre com a endogenia. A Iriny ganha na diversidade e na produção de associações (talvez porque tradicionalmente o PT tem uma militância na rede mais forte). Foram 3405 tweets mencionando a candidata (12% de menções negativas à sua imagem).

Algumas observações:
A rede do LP sofre, o que estou chamando, de forte “flodagen colaborativa” (vem da parte vermelha do gráfico do @LPVelozzo).E vai cedendo terreno a rede da Iriny, que se infiltra e faz um duplo movimento:

– Cria o efeito do “deixar pianinho”. Isso porque os perfis aliados à Rede Iriny que está dentro da rede tucana faz circular denúncias (verdadeiras), imagens e sátiras ao candidato LP. Sua equipe recua como se sentisse uma boxeada. E diminui a produção de relação social na rede. Estudos de rede mostram que aquele que floda acaba por ganhar interesse na rede. Por motivos puros: não se trata de trolagem – a produção gratuita de mensagens raivosas e ofensivas. Mas da permanente produção de verdade na rede do outro.

–  O ensimesmamento da rede tucana, o que provoca, de prima, uma baixa propagação da agenda temática de um candidato. O núcleo duro da rede tucana, como os fakes “amigos do Luiz Paulo” e “tucanosES”, acabam unindo-se aos perfis oficial para criar um ação narcísica de falar sobre si próprio (o candidato). E assim diminui o processo de produção de relação social na rede. De criação de empatia com usuários que ficam sempre ali de stalker observando o fluxo conversacional dos perfis.

Já na rede de tuiteiros que apoiam Iriny Lopes, a clusterização em torno do perfil da candidata do PT chama a atenção. É claro que nem sempre um RT é marcado por elogios. Ele pode vir antecedido de muita ironia e crítica. Mas é notório no gráfico o volume de relação social que a equipe da Iriny está gerando na rede.E isso vai criando um capital social. Que pode ser usado ou não pela candidata.

Destaca-se, em azul, a presença de uma rede “semi-tucana”, alimentada pelos RTS produzidos pelos fakes @es140, @trololori e @amigosdoLuizPaulo, que citam a Iriny Lopes. O esforço dessa rede é afirmar que a Iriny é uma candidata com pouca experiência administrativa e associada à gestão atual do PT na cidade (que é bem avaliada e, diga-se de passagem, é composta pelo grupo político do vice de LP, assim, é pouco compreensível essa estratégia). Curioso: a rede tucana na rede petista está sempre “dependente” da flodagem petista. É pouco inventivo. Verifiquei alguns tweets desses perfis tucanos na rede petista. E sempre é a mesma toada: denúncias contra a atual gestão na prefeitura e ataques ao compartilhamento das denúncias de improbidade de @LPVelozzo (feitos pelos petistas online).

Dá para notar o seguinte: todas as armas possíveis estão sendo produzidas pelas duas campanhas. Não há nenhum bom mocismo em ambos os lados. A situação é de confronto. E, se tudo indicar, o segundo turno vai ser ainda mais nervoso.

Mas não dá para fingir: a rede petista avança, do ponto de vista, da musculatura colaborativa. E os tucanos precisam se ligar. E reagir.

PS: segue os pdfs das redes tucana e petista. Baixando-os a visualização da imagem fica bem melhor. Você pode dar até zoom na imagem.

PS2: Os dados foram extraídos em Yourtwapperkeeper e visualizados no Gephi.

PS3: O tal vídeo de Edson Ribeiro (publicado pelo anônimo ciganolouco e pelo próprio candidato no Youtube), cheirando a bíblia para “não cheirar coicaína” faz um estrago na internet. São mais de 65 mil views. Na cidade, nem todo mundo viu horário eleitoral. Mas quase todo mundo o tal vídeo. Pode ter certeza, o impacto no voto vai acontecer.

 

Aproximando-se da fanpage da candidata do PT à prefeitura de Vitória

IrinyFanPage

 

A fanpage da candidata do PT a Prefeitura de Vitória, Iriny Lopes, também é marcada por interação baseada mais em likes do que comentários. De 5 mil fãs, apenas 306 participam da campanha (isso desde 23 de agosto, quando extrai os dados). Mas 1300 pessoas estão falando da Iriny, número 4 vezes maior do que na fanpage de Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB). Como sabemos, toda fanpage serve para catalizar um trabalho cooperativo, em que o fã pode publicar material de interesse do “ídolo” dentro da fanpage. Quanto mais posts de fãs, mais atuante fica a fanpage. E essa atuação, em geral, encoraja mais pessoas a publicar/comentar material novo na fanpage. A fanpage de Iriny possui 92% de curtidores. E 8% de comentaristas.  O que demonstra que a página ainda é bastante top-down.

Em relação ao seu adversário Luiz Paulo Vellozo Lucas, Iriny possui uma rede mais heterogênea e clusterizada, embora, no Facebook, as redes locais se comportem de modo mais fechado mesmo, formando quase sempre um grande grupão. Por motivo simples: as pessoas que conformam a rede da Iriny são amigas no FB. Assim os perfis estão bastante unidos. De qualquer modo, a rede Iriny está mais agitada. A turma da campanha está mais ativa online.

Mas vale a crítica: a atividade dos militantes do PT ainda se reduz a curtição de posts na fanpage; esta continua sendo posicionada como um “blog dentro do Facebook”, no lugar de um espaço de articulação da militância.

Segue o arquivo pdf para que você veja a imagem no detalhe. No gráfico, trabalhei os filtros de modularidade (comunidades) e de Autoridades da rede. Usei o NodeXL para extrair os dados. E o Gephi para visualizar.

PS: falta a campanha a netiqueta que está sendo utilizada este ano pelas assessorias: indicar os conteúdos produzidos pela #assessoria e aqueles escritos pelo candidato nas redes sociais. Aliás, netiqueta que vale para todos.

PS2: olhe com mais zelo para a imagem e responda com quem ela se parece.

Aproximando-se da fanpage do candidato tucano a Prefeitura de Vitória

LPFanPage

São mais de 4 mil fãs na fanpage do candidato a prefeito de Vitória Luiz Paulo Vellozo Lucas. Apenas 272 destes “fãs” atuam na rede. A maioria (93%) só aperta o botão curtir. E mais nada. 1,58% realizaram comentários que ganham o status de atualização na fanpage (sabemos que as páginas são, em período de eleição, super moderada. Assim as marcações são muito fechadas, até para coibir a trolagem). São quatro grupos que protagonizam as curtições (vejam aí pelas diferenças de cores, a partir do cálculo de modularidade da rede, que encontram as possíveis comunidades em torno da fanpage). Nem imagino quem sejam os grupos. Mas uma análise mais aprofundada dá para sacar quem sejam :) Há uma forte presença animando os likes dos seguintes “amigos de LP”: Valiatti João, Thais Figueiredo S. Neves, Vila da Silva, Izabela Monjardim e Consuelo Pagani. Mas a fanpage tem só mesmo faz a função de uma platéia que bate palmas para o candidato. Ou seja, aperta o botão like. Nada diferente de outras fanpages de políticos.

Segue o gráfico em formato pdf para aqueles que querem dar um zoom na imagem.

O #12M nas redes Sociais e o micropoder

O Laboratório de estudos em Internet e Cultura (LABIC), que coordeno aqui na UFES, começa – em parceria com o Medialab/UFRJ, a desenvolver um processo de cartografar controvérsias na internet. Controvérsias políticas é a nossa praia. Estamos na fase de aprendizado com os softwares de visualização e input de dados, que são extraídos de diferentes redes sociais.

Neste post, Gabriel Herkenhoff, pesquisador do Labic, faz a primeira incursão no mundo dos grafos da mobilização política ocorrida, na Espanha, no dia 12 de maio, o chamado 12M. É apenas o começo. Fizemos o grafo (há inúmeras formas de visualizá-lo – estamos estudando todas elas) e, agora, vamos começar também a analisar o conteúdo e a cultura instalados nos perfis que participaram da mobilização espanhola.

Curiosamente, ao analisar a rede do# 12M, vimos o seguinte:

os processos de espalhamento e difusão de mobilizações políticas passam, necessariamente, por um atuação minúscula, uma atuação menor. A intuição, inclusive, é de que essas mobilizações estejam prodfuzindo um novo tipo de blogueiro: o que atua direto da rua de modo streaming. Um “blogueiro streammer”.

Essa  política em rede, onde os nós atuam (ou seja, não apenas vêem tudo de longe), faz dela uma forte ação de centenas de pequenos grupos, embora, ao mesmo tempo, não deixe de constituir seus próprios pop stars (hubs). O hub, em mobilizações políticas, não é algo dado. O hub não existe; é um sujeito também emergente. Um sujeito que acontece. Isso pode está a explicar o fato de vermos cada vez mais o aparecimento “políticos que acontecem”, ou seja, que são produzidos pelo trabalho da multidão em rede. Mas é um político de novo tipo: só existe como (e na) mobilização. Estamos no começo das análises, mas já dá pra ver que a visão do maketing de buscar “celebridades” nas redes sociais é um tanto quanto uma invenção massiva dentro das redes, pois, afinal, quem compra é influenciado mais pelo “tratorada de espalhamento da informação pelos nós minúsculos” ou pela força da difusão das celebridades das redes sociais (os hubs), mesmo sabendo que estes não tnham uma capacidade de criar sozinhos (ou com seus fãs mais mobilizados) uma mobilização agressiva na rede?

Estamos só começando. A análise das mobilizações do #12M no Twitter, tim tim por tim tim, está aqui.

Quando o jornalismo vira BO

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Há, nesta matéria de A Gazeta, assinada por Rosana Figueiredo, uma festival de atitudes que qualquer jornalista deveria evitar. Um festival grosseiro de atitudes antiéticas, que, lógico, foram “melhoradas” pelo editor do jornal.

1. A atitude vulgar e irresponsável de envolver os pais do rapaz. Pais que estão sob cuidados médicos. A mãe chega ser chamada por apenas o prenome (acho q a jornalista esqueceu de perguntar o sobrenome), tipicamente o modelo policialesco de nomear aqueles que vivem em Terra Vermelha, na periferia da cidade. Uma vez a Eliane Brum me disse: “muitas vezes, é o detalhe que pode acabar com a vida de alguém”. Deixe os pais do cara em paz. São trabalhadores, pobres, em que o custo da passagem de ônibus reflete diretamente na possibilidade do filho se manter estudando na Ufes. Trate-os com dignidade, por favor. Se o jornalismo fosse uma profissão mais séria, o jornal e a jornalista estariam sendo processados por desvio ético.

2. O compartilhamento da foto do apedrejamento de um ônibus. Reparem como o editor e a jornalista deixam escapar o nome de “I. P”. A foto, tirada num contexto de revolta contra a espoliação urbana, ainda pode nos levar a reflexões do tipo: é justo depredar o ônibus quando seus direitos não são respeitados, quando não espoliados? Apesar de nao termos essa resposta, deixa I.P em paz. O jornal faz o que a imprensa egípcia fazia: ficar publicando conversações na rede para demonizar os manifestantes.

3. As ˜declarações na internet˜. As frases das declarações no perfil de E. não revelam nada, senão o direito de E. expressar seu descontentamento. Em maio de 2011, a diretora corporativa de A Gazeta, a Sra. Letícia Lindemberg, publicou no seu Twitter que queria ver todo mundo morrer alagado, devido a protestos feitos por moradores da região da Grande Terra Vermelha, que pararam a rodosol. E esse texto de uma Limdemberg, que está lá no sue perfil, não significa nada criminalmente. Ao contrário, expressa uma opinião de um setor da população. Então não dê uma de policial, Sra. Rosana, não fique caçando frases soltas para dar sentido a algo que não tem. O fato de você conhecer pouco o dia a dia da redação é mais um desafio profissional seu para ficar atento às artimanhas de seus editores. Não se deixe virar “bode expiatório˜. Não seja a pena da cabeça de seu editor.

4. O que tem a ver o sistema de cotas com a questão? Não seja preconceituosa. Se E. não entrou na universidade por esse sistema, e daí?

5. Essa parte aqui oh: “Apesar de ser estudante de Física, em seu perfil de Facebook, Eduardo afirma que é de extrema esquerda˜. O que isso significa verdadeiramente? O que você quis dizer com isso?

6. Na materia on-line, para piorar a situação: há um predomínio enorme do governador do Estado, que posa como se tivesse um comportamento exemplar de diálogo. Veja o que seus leitores – eu sou um, pago R$ 39 para o jornal mensalmente, mesmo tendo a versão gratuita no meu Ipad – tenham a dizer sobre o comportamento do governador. Caso não queira ler seus leitores, leia o seu próprio jornal, que publica um artigo do professor Simões destacando o modo truculento de ser do governador socialista.

7. O livro de Sun Tzu. Sem checar, sem ouvir o estudante, você quis diabolizar o rapaz com a história do livro: obviamente vc comprou uma versão policial. Se você fosse um pouco mais antenada, iria até satirizar, pois o livro é best-seller entre os executivos das corporações capitalistas. Essa história é patética. Muito patética.

Mas, o mais supreendente, a grande derrota do poder: o rapaz que incendiou o ônibus é filho direto da pobreza do Estado. Filho direto da corrupção que fez explodir a periferia de Vila Velha na década de 90. É filho direto da demagogia politiqueira que chega em terra Vermelha para incluir abstratamente aquele povo num discurso de “Estado Presente”, e, pelas costas, o discurso é de exclusão concreta.

Cobertura colaborativa: entre a programação e a emergência

É assim: estou começando a estruturar o conceito de “cobertura colaborativa”, que se trata dessa produção noticiosa que é realizada pelos perfis de mídias sociais, já que hoje muito das pautas surgem na rede e executada também dentro dela. É o caso de cobertura como #rockinrio, #egypt, etc etc.

Então vejo que a “cobertura colaborativa” é um novo modo de narrar um determinado acontecimento. E estou a formular o conceito para expandir a concepção que esse tipo de atividades trata-se de “jornalismo cidadão” (não gosto dessa ideia, porque reforça uma visão corporativa de que qualquer narrativa noticiosa, em rede,  é jornalismo, mas não profissional – então inclui o cidadão, mas o exclui ao mesmo tempo).   Nesse artigo que compartilho aqui, eu classifico a cobertura colaborativa em dois tipos: a emergente e a programada.

Estou a começar o trabalho teórico. Vamos ver se, nesta semana, publico mais coisas, aqui no blog mesmo. Leiam e depois me dê um retorno.

Deleuze palpita sobre o RT no Twitter

Você não acha esquisito esse fluxo intenso de repetições no Twitter, algo que nós, o povo mais hipermoderninho, chamamos de RT ?

Eu sinto que o segredo desse comportamento repetitivo, nessa coisa chamada de redes sociais da internet, está mesmo é no Gabriel Tarde, o grande teórico da microssociologia. Um teórico que queria entender a similitude de milhões de homens. Um teórico que adorava o mundo do detalhe e do infinitesimal: as imitações, oposições e invenções. E o RT é um fenômeno da microssociologia, porque se trata de microimitações. É mais do que isso: é uma onda de imitações. Uma microimitação diz respeito a um fluxo ou a uma onda, e não ao indivíduo. Quando alguém imita, propaga um fluxo. E o que é o fluxo, segundo Tarde? É crença ou desejo; um fluxo é sempre de crença e de desejo. As crenças e os desejos são o fundo de toda sociedade, porque são fluxos “quantificáveis”, são verdadeiras “Quantidades Sociais”. Então, seria importante ver os RTs menos como representações, se ocupar mais das pontas, e não reproduzir a ideia de individual x social, como se o indivíduo fosse um nó da rede, e o social, os hubs. Na internet, a distinção entre o social e o indivíduo perde o sentido. Porque o fluxo de RTs e de todo tipo de compartilhamento, ao acontecer como um comportamento imitativo, não pode ser atribuído a indivíduos, mas a uma significação coletiva.

O #protestoemVitoria e a política do comum

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É na reivindicação que se encontra a origem do verdadeiro pacifismo” (Antonio Negri).

“Um partido já não vive de sua representação, mas de sua capacidade de ser movimento” (Antonio Negri)


Manifestantes do #protestovitoria fazem assembleia na Ufes. Foto: Izaias Buson

Durante o mês de maio, nos muros da cidade de Vitória/ES, podia-se ler: “Dia 02/06 a cidade vai parar”. Era um teaser. Igual a esses que os publicitários preguiçosos gostam de fazer, do tipo: “O  shopping preparou uma novidade para você”.  Contudo,o teaser de maio tinha assim um tom mais de ameaça. mas ninguém se importou muito com ele. Até que às 8h da manhã, da última quinta-feira, Vitorinha realmente parou. Deu tela azul. Travou. Um grupo de manifestantes radicais fez uma barricada de pneus queimados, numa avenida que corta o Centro da Cidade.

A cena era dura ao poder, pois que a manifestação estava em frente à escadaria da sede do governo estadual. Como nômades, não se sabia quem eram aqueles “estudantes” que não deixavam nada passar. Só se sabia que protestavam a favor do passe livre e pela redução da tarifa de ônibus. Até às 13h, não se tinha acordo para dar fim ao protesto. E o trânsito, no lado Sul da ilha, continuava do mesmo jeito: imóvel. Daí, o governo decidiu agir: mobilizou o Batalhão de Missões Especiais da Polícia Militar, que, à base de bombas, tiros de bala de borracha e cacetetes dispersaram, em segundos, os manifestantes. O evento foi acompanhado ao vivo, pela TV Record, através de um de seus programas locais mais populares. Numa acepção estatalista, estaria agora tudo resolvido. Trânsito livre. A força do Estado serve para manter a ordem e a paz perpétua.

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A Batalha do Anchieta

Mas, ao contrário, a “Batalha do Anchieta” estava apenas começando. 30 minutos após a ação policial, surgia no Facebook e no Twitter uma convocação estudantil para às 15h, em frente à Universidade Federal do Espírito Santo. Objetivo: protestar contra o uso desmedido da violência pelo governo estadual. Agora entrava em cena não mais os “radicais”, mas aquele fenômeno típico da rede: “tamujuntomisturado”. O Batalhão foi novamente acionado. O tratamento foi ainda pior. As imagens dos policiais jogando bomba de efeito moral DENTRO da Universidade e de prisões arbitrárias geraram efeito inverso para o “governo de esquerda” do ES. Uma enxurrada de fotos, vídeos e testemunhos ao vivo do acontecimento se alastrava na internet. Mas, desta vez, a comunicação possuía um “corpo social”. Saía de cena o exibicionismo típico das redes sociais para a inflação de visibilidade da política que só a rede hoje é capaz de criar. Saía de cena o marketing pessoal dos profiles, com sua chatice de videozinho pra cá e devaneios psicologizantes pra lá, e entrava na casa da gente todo tipo de revolta compartilhada.

Mesmo reprimidos, os estudantes novamente se organizaram. E marcharam rumo a 3a Ponte (liga o município de Vitória a Velha, cobrando alto pedágio dos cidadãos para isso).Lá o confronto foi pior. E os registros que chegavam eram de assustar pela violência policial, enquanto os estudantes, pacificamente, se manifestavam. Em troca, o revide, na rede, foi a manutenção de um exército de ciberativistas que mantinha a tag #protestoemVitoria como o assunto mais tuitado no Brasil. Em poucas horas, a tag entrou para o clube seleto dos Trending Topic Wordwide. Chegava no mundo inteiro.

Na mesma noite, um novo protesto estava sendo convocado em rede para o dia 03. No final da tarde de sexta-feira, o estacionamento do Teatro da Ufes estava abarrotado de gente. Agora o movimento contava com o apoio de professores e funcionários da Ufes, e de diversos movimentos sociais da capital. Enquanto isso um excessivo contingente policial cercava toda a cidade, com sua cavalaria, viaturas, caminhões e muito munição de bala de borracha. Tudo registrado por anônimos, que, dos seus celulares, publicavam fotos e vídeos dos locais por onde os estudantes passariam, mandando alertas para os manifestantes. A passeata contabiliza cerca de 5 mil pessoas. Daí a relação de força virou. A policial foi retirada das ruas. E todo protesto ocorreu pacificamente na praça do pedágio da Terceira Ponte, onde foram liberadas as cancelas para o trânsito fluir livremente. Os rumos desse movimento político é, neste momento, indeterminado.

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O #protestoemVitória e a política do comum

O #protestoemVitoria possui uma composição social nova. É formado, de um lado, majoritariamente por uma juventude crítica da nova e da velha classe média, agora conectada em redes sociais; e, de outro, por uma classe de trabalhadores precarizados e submetidos à economia imaterial (essa em que atender bem o consumidor, gerar informação e colocar a alma no trabalho é fundamental). Desde há algum tempo, essa turma engrossa a tese de que o sistema político brasileiro está apodrecido. E que o desenvolvimento do país é limitado pela corrupção generalizada; pela transformação dos partidos em “caciquismo”; pela política clientelista de cargo e trocas de favores, amplamente internalizada na máquina de todos os partidos que administram o Estado; pelo marketing político que oblitera a franqueza, dando visualidade ao político desqualificado; ou mesmo pela impotente atuação dos setores mais reacionários da sociedade, com seus discursos e palavras de ordem do século XIX/XX (“livre mercado pra tudo” ou “estado stanilista  para todos”). Enfim, há a cada dia que passa um acúmulo de indignação por esse distanciamento da representação da fonte da própria democracia, a multidão. E isso, diariamente, a gente percebe nas redes sociais, tornadas o veículo catártico dessa multidão.

Num mundo em que a circulação é a condição da própria produtividade social, cujo valor se mede na quantidade de trabalho imaterial inscrita nas mercadorias, não é difícil prever que o “direito de ir e vir” se torna um dos campos de maior ocupação pelas novas lutas sociais (queremos um aeroporto novo ou queremos passe livre, bradamos!). E é dentro desse desejo de circulação livre (ou pela cidade, ou tendo acesso à internet), que muitos movimentos brotam. E com uma particularidade que assusta a ortodoxia liberal ou a marxista: como pode um movimento ser feito sem partidos e sindicatos?

Em grande parte, essa possibilidade deriva da própria incompreensão que esses atores possuem sobre o próprio momento histórico. Hoje o “horário depois do expediente” explica mais o trabalho do que o relógio dentro da fábrica. Esse tempo da reprodução é que demonstra que não há diferença no trabalho de um mestre de obras para o executivo da construção civil. De ambos é exigido o tempo inteiro a conexão pelo telefone celular, de ambos é exigido o tempo inteiro formação continuada, de ambos é exigido o tempo inteiro capacidade de comunicação, criação, trabalho em grupo, empreendedorismo, networking, fidelização de cliente, atendimento e técnicas de negociação, enfim, toda sorte de competências que são adquiridas mais na cidade do que no escritório. E, na prática, a diferença salarial entre eles se calculará pela herança escravagista que cada qual possui mas, sobretudo, pelo grau de acesso à comunicação social e aos serviços públicos que ambos estão imersos. É por isso que no #protestoemvitoria tem menino do Colégio Darwin e menino do Colégio Estadual juntos. Tem juntos Sol na Garganta do Futuro e MC Roleta. Porque ambos querem banda larga, ambos querem passe livre. Não para vadiar, mas para produzir.

Nesse sentido, é a “assistência social” o próprio núcleo duro por onde passa a velha relação capital/trabalho hoje. Assistência social, como sinônimo de uma política que dê acesso aos bens comuns para autovalorizar o trabalho (e com isso este ganhar autonomia perante a qualquer empregador). É a política social a dimensão mais importante de qualquer desenvolvimento econômico. Lula, queiramos ou não, comprovou isso. É só checar as novas demandas sociais: universalização da banda larga; passe livre como vetor de desenvolvimento da juventude, políticas de geração de trabalho e renda; criação de redes de produção cultural independente; telefone e luz para todos; acesso generalizado à graduação e à pós-graduação públicos (hoje os valores das faculdades privadas são exorbitantes); liberalização das drogas como combate à violência urbana; fortes políticas de desenvolvimento que articule saber local, alta tecnologia e sustentabilidade ambiental; fim dos pedágios e das cobranças pela livre circulação na cidade etc.

Vejam: o trabalho hoje demanda uma nova política democrática, que ultrapasse à ideologia da “exclusão dos excluídos”, e que note que a “exclusão” é barreira sistêmica para o novo capitalismo funcionar. Quanto mais excluídos, menor é o valor. É por isso que a população toda tem celular, mas não tem dinheiro pra pagar. É o modelo de inclusão que é o objeto de conflito. Caiam na Real!!!! Quando a política hierarquiza trabalhador em “pré-pago” e “pós-pago”, a democracia se fragiliza. E o protesto brota. Porque não adianta ter Petrobrás no Espírito Santo, se a maior parte dos “empregos inteligentes” ficará fora do Estado, reproduzindo a hierarquia de desenvolvimento nada sustentável.

Portanto, o #protestoemvitoria é um sintoma de que o sistema político, no lugar de incorporar, se fecha às novas demandas sociais. E mesmo quando quer incorporá-las, vê-se limitado pela própria matriz partidária que possui: na ponta esquerda, com o seu “incluir os excluídos”; ou, na ponta direita, com seu “trabalhar para pagar”. A luta contra a pobreza será em vão se ela não abarcar essas novas demandas sociais, tornando mais sólidas e autônomas as políticas de inclusão.É preciso agora produzir uma política para os “incluídos excluídos” e para os “excluídos excluídos”. Tudojuntomisturado.