Biopolítica, por Simone Sobral

Minha amiga querida Simone Sobral (UFSC) mandou-me, direto de Paris, onde faz pós-doutorado, algumas observações sobre o dossiê  biopolítica/biopoder em Foucault, que me aventuro a fazer, por aqui. Ela extraiu esse trechinho do seu livro, “Foucault e a resistência”, em que mostra onde o termo se origina:

O conceito de Biopoder, formulado na genealogia das relações de poder, é tematizado  por Michel Foucault durante toda a década de 70. Aparece em 1976 no primeiro volume da História da Sexualidade, mas faz parte de suas investigações observadas nos cursos proferidos no Collège de France em 1975-76 (“É preciso defender a sociedade”), 1978-79 (Segurança, território e população) e  1979-80 (Nascimento da Biopolítica). Esse termo já pode ser notado na conferência proferida por Foucault, quando de sua vinda ao Brasil em 1974: O nascimento da medicina social, onde define o corpo como uma realidade biopolítica. Perpassa a conferência As malhas do poder (em 1976, o Brasil), presente como a gestão das forças estatais, no séc. XVIII; e, também, em 1982, na Univ. de Vermont, com o título A tecnologia política dos indivíduos;

Simone reforça o coro daqueles que afirmam que Antonio Negri reutiliza o conceito de biopoder para estendê-lo e concatená-lo à visão deleuziana de “sociedade de controle”. De novo, outro trecho de seu livro:

No livro Império, Negri e Hardt utilizam o conceito de Biopoder por entenderem que “em muitos sentidos a obra de Michel Foucault preparou o terreno para essa investigação do funcionamento material do mando imperial”[1] (2001:42). O Biopoder ou a vida como objeto do poder é o novo paradigma produtivo, é a forma de funcionamento Imperial na sua gestão política, econômica, social, cultural, perpassando toda a constituição capitalista.

[1] “Em primeiro lugar a obra de Foucault nos permite reconhecer uma transição histórica, de época, nas formas sociais da sociedade disciplinar para a sociedade de controle. (…) A seguir, a obra de Foucault nos permite reconhecer a natureza biopolítica do novo paradigma de poder.” (2001:42-43)

A narração na web 2.0, a emergência de um novo gênero

Web 2.0 story-telling: The emergence of a new genre (em pdf), de Bryan Alexander and Alan Levine, é um bom artigo para quem busca maiores informações sobre narrativas digitais e a web 2.0 . O texto mostra que padrão de como uma história se conta está a mudar. A velha perspectiva da sucessão, cuja forma primordial é o “começo, o meio e o fim”  cede terreno para uma narração cross-media, participativa, exploratória e labirintíca.

Vale à pena ler (em inglês).

Quora, sua rede responde

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Depois do buzz do Formspring, entra em cena o Quora, nova rede social de perguntas e respostas na internet. É tudo muito simples. Você se loga com a sua conta do Facebook ou do Twitter. Segue e é seguido. E posta respostas e perguntas. E, assim, você aproveita o conhecimento gerado pela  inteligência coletiva da rede. E, é claro, doa o seu conhecimento também. É uma espécie de Yahoo Respostas 2.0. Uma das grandes vantagens do Quora é o baixo índice de anonimato, por você se logar através de sua conta do Twitter ou do Facebook.

Por enquanto, só entra na rede quem tem convite.

No mais, o Quora é mais uma das ferramentas que alimentam o que chamo de economia da identidade online, que se realiza através de empreendimento baseados na criação de novos ambientes comunicativos cujo DNA é o “perfil de redes sociais”, sobretudo, os do Twitter e do Facebook, duas plataformas que facilitam inovações por terem suas API’s abertas à colaboração do usuário.

A biopolítica e a inflação das liberdades (Dossiê Negri/Foucault – I)

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“Em Foucault, encontramos não somente uma definição do biopoder que retoma e históriciza as análises da Escola de Frankfurt, mas também a definição de uma biopolítica ativa e a demonstração progressiva de um processo de produção das subjetividades, capaz de transformar os sujeitos em suas relações com o poder, como também o próprio poder” (Antonio Negri, em A fabrica de porcelana).

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O conceito de biopolítica nasceu no curso que Michel Foucault ministra no College de France, intitulado “Il Fault Défendre la Societé”, de 1976, traduzido no Brasil pela Editora Martins Fontes, em 1999, com o nome de “Em Defesa da Sociedade”. A primeira aula deste curso é formidável, com Michel Foucault trazendo ótimas indagações sobre o conceito de poder. E ainda demonstrando a sua hipótese: a guerra é o fundamento da sociedade civil. Durante todas as aulas se verá um Foucault que faz uma espécie de arqueologia da guerra, para se chegar ao racismo e a luta de classes como os principais fenômenos da guerra no âmbito da sociedade política.

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o conceito de biopolítica/biopoder: o governo da população

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Em todo trabalho do filósofo francês, biopolítica e biopoder serão termos sinônimos. E servirão para revisar suas teses sobre o funcionamento do poder. Antes voltado ao disciplinarmento dos corpos, o poder se transmutaria a partir do momento histórico (final do século 18) em que a produtividade social advém da aceleração dos fluxos sociais e econômicos.

Foucault usa a metáfora das cidades para explicar esse processo. Para ele, a filosofia fisiocrática fez ecoar no Ocidente a visão de que a produtividade se conforma na produção livre de fluxos econômicos e sociais. Assim, os poderes locais passam a não mais ter como missão a proteção territorial. A soberania, antes, associada à conquista de novos territórios e na capacidade de mantê-los intactos ao seu poder, se transmuta com o desenvolvimento da “cidade-mercado”: agora deve derrubar qualquer barreira territorial para fazer fluir a economia. O fluxo de pessoas, moedas, mercadorias, ideias, crenças, será ainda mais praticado com a propagação dos ideais liberais, acarretando uma metamorfose no objeto fundamental do governo da cidade. Agora é a “cidade-mercado” que florescia, de forma paulatina, carregando consigo um novo modo de governo, que garantia o comércio interior/exterior, controlava o (a)fluxo das populações errantes e nômades e monitorava, através da demografia e da medicina social, os comportamentos populacionais no território.

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Ontologia da liberdade na rede: a guerra das narrativas na internet e a luta social na democracia

Esse é o título do artigo que escrevemos, eu e o Henrique Antoun (UFRJ), publicado no número atual da Revista Famecos (artigo em pdf). O texto cai como uma luva para quem precisa analisar os movimentos pós-wikileaks, sobretudo a luta imanente entre os poderes que constroem e destroem a liberdade na internet.

Esse artigo visa, em retrospectiva, analisar os fundamentos políticos que regem os discursos de liberdade que são disseminados pelos atores que constroem a internet de hoje e de ontem. Esta análise visa extrair um modo de compreender a economia do poder em disputa, instaurada pelos diferentes atores em conflito da sociedade em rede. Para tanto vamos avaliar os processos de narração coletiva dos acontecimentos públicos, entendidos como laboratórios dessas disputas. Desta avaliação vai emergir que as novas narrativas multitudinárias vão fazer a passagem do modelo informacional das mídias, que privilegia a acumulação quantitativa proprietária de elementos, para o modelo comunicacional das multimídias, que privilegia a coordenação da ação coletiva nos movimentos.

Dossiê Antonio Negri e Michel Focault: (Introdução)

O Henrique Antoun me deu uma tarefa para lá de desafiante:  entender como Antonio Negri incorpora o pensamento de M. Foucault, especificamente aquele que vai de Em defesa da sociedade à A coragem da Verdade (1976 a 1981), quando  Foucault se debruça em compreender o regime de poder que ultrapassa a disciplinaridade, o biopoder:

[O biopoder] não se trata de ficar ligado a um corpo individual, como faz a disciplina. Não se trata, por conseguinte, em absoluto, de considerar o indivíduo no nível do detalhe, mas, pelo contrário, mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade; em resumo, de levar em conta a vida, os processos biológicos do homem-espécie e de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação. (Foucault, M. Em defesa da sociedade, p.294)

Desde então tenho revisto a obra do Negri (acho que li mais de 80% de seu amplo trabalho). E, de fato, Antonio Negri recupera o debate dos 80 de Foucault para revigorar o seu conceito de poder e, com isso, enxergar os antagonismos que se abrem  dentro do nosso mundo. Claro que nosso interesse é os antagonismos dentro da cibercultura. A partir de Foucault, o filósofo italiano toma e reiventa o conceito de biopolítica, para fincar os novos modos de conflitos políticos no interior do capitalismo cognitivo.

o poder hoje, a internet e o Wikileaks

O objetivo dessa revisão teórica (o de biopolítica) é para analisar melhor os movimentos do franco-falar (parhesia) que explodem na sociedade contemporânea, sobretudo aqueles que se tornam sujeitos contra o controle e o governo da internet. Buscar entender por que os conflitos que produzimos estão, a cada dia que passa, relacionados a tensões entre verdade e poder, entre liberdade e censura, entre narração coletiva e interpretação única dos fatos, entre controle privacidade/transparência, ao debruçarmos sobre a maneira como a Internet é contruída dentro de um campo de poderes distintos, mas todos imanentes ao modo como o capitalismo se organiza e se é antagonizado. Não há nenhum lugarzinho na rede que esteja fora da subsunção desses poderes. Nenhum paraíso virtual.

O Wikileaks talvez seja o exemplo mais dramático dessas lutas informacionais, por ser, ao mesmo tempo, a pedra detonadora do “olho do poder”, ao tornar transparente todas as armações de governos e corporações mundo à fora; e vidraça para essas organizações destruirem, à medida que elas exigem a quebra do sigilo das bases de dados da web 2.0 (Facebook e Twitter) onde se hospedam todas as conversações privadas dos ativistas do Wikileaks, abrindo a porteira para, através das leis da Democracia global, processar representantes da sociedade civil por violarem a segurança nacional dos páises e por “difamarem” as estratégias econômicas de grandes corporações. Essa é uma luta, portanto, imanente. Por um lado, o fluxo comunicacional do Wikileaks se faz dentro dos novos dispositivos de controle e regulação de imensas populações (transformadas em público participativo); por outro, é o próprio Wikileaks detonador dos poderes que financiam e alimentam esses mesmos dispositivos vigilantes 2.0.

Então, por aqui no blog, vou trazer – em alguns posts – essa relação Foucault/Negri para cumprir a missão dada pelo Henrique Antoun. :) E prometo um texto lindão sobre “Modos de censura e lutas pela liberdade na internet”.

O fake na internet e o medo que tem Magno Malta do sábado de Aleluia

“E, quando estavam reclinados à mesa e comiam, disse Jesus:
Em verdade vos digo que um de vós,
que comigo come, há de trair-me” (Marcos 14:18).

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O senador Magno Malta (PR/ES) anunciou que vai entrar numa nova Cruzada. Quer criar um projeto de lei que torna crime a criação de perfis falsos (os fakes) nas redes sociais da internet. Ele já não aguenta mais a quantidade de judas virtuais que espinafram suas atitudes políticas arvorando-se de sua própria face photoshopiada. Para ele, melhor seria se o cabloco o espinafrasse com “cara limpa e peito aberto”. Claro. Assim fica mais fácil de fichá-lo depois.

O fake da internet carrega o dilema do Judas, aquele criado pela cultura popular. Na tradição da malhação do Judas, no sábado de Aleluia, ninguém sabe quem fez o boneco e pendurou no poste, mas todo mundo adora malhá-lo. Quem é objeto da malhação fica possesso. E quer identificar – como quer! – quem foi o autor da brincadeira. Nada pior que ser o Judas do sábado de Aleluia. Magno Malta, como qualquer pessoa, sabe disso. Para político então, que tem imagem emoldurada pelas frases e maquiagens fakes do marketing de bruxas e magos, dói fundo na alma original ser objeto de gozação do populacho.

Se Malta fosse republicano-USA, parece que não teria dúvida: botaria no chilindró os “fakes” que publicaram no Wikileaks as tramóias do governo yankee pelo mundo. Contudo, o problema do republicano-tupiniquim é que ele defende coisas que a classe média conectada detesta, como criminalização do homossexualismo, defesa de pena de morte, redução da maioridade penal, mistura de religião e política desafiando o laicismo do Estado, para além de citações do senador em escândalos nacionais, como o da máfia dos sanguessugas. Por conta disso, a malhação virtual rola solta. Como Jesus na ceia dos apóstolos, a rede da classe média conectada (de A a D)  sabe quem está a lhe trair.

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A narrativa nas redes sociais da internet

Artigo publicado no livro Princípios inconstantes, editado pelo Itaú Cultural, e depois ampliado para publicação na Revista Lugar Comum.

Fábio Malini
(o artigo abaixo é apenas uma parte do texto original )

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1994. Após um ano em que Tim Berners-Lee apresenta ao mundo o seu projeto World Wide Web, a internet começava a mudar. Até então ela havia se tornado numa espécie de rede intergaláctica de cientistas, nerds e de usuários que se divertiam através das bulletin board system (bbs), comunidades virtuais onde se liam mensagens – sob um fundo preto chapado – sobre diferentes temas, de acordo com o gosto do freguês. Tudo era feio e simples. Porém, muito divertido. As bbs podiam ser criada por quaisquer um que se arriscasse a pegar a sua poupança, comprar uma linha telefônica, um computador Pentium 386, baixar o software spitfire, ficar dias lendo tutoriais, para até chegar o grande momento em que criava online o seu “clube bbs”. Para se conectar a ele, cada sócio pagava uma graninha, que geralmente era revertida na compra de equipamentos para tornar ainda melhor a performance da rede. Nessa internet de raiz, todo mundo podia ser, em tese, uma UOL, um Terra, uma AOL.

Contudo, as bbs se foram. E, com a popularização da web, em 1994, logo surgiu o site. Agora era mais atraente ficar num chat animado – e com design em cores – do que ficar naquela tela preta do DOS, com sua chata interação através de comandos de teclado. E foi em 1994 que um caboclo chamado Justin Hall, estudante de jornalismo em São Francisco e estagiário da revista Wired, decidiu publicar em seu site,  Justin´s Link, relatos da sua vida cotidiana. Escrevia coisas como o suicídio do pai até às suas aventuras amorosas através desse log (diário) virtual. Hall criava a partir dali um dispositivo de escape para uma solidão típica daquele ano recheado a Guerra da Bósnia, eleições na África do Sul e genocídio em Ruanda. Mais. Ele criava uma forma de constituir uma presença online, estabelecendo relações entre aqueles que compartilhavam e consumiam vida através, agora, da web. Porque a web, diferente das bbs e sua noção de clube, onde entra quem pode e quem curte “aquele” tema, é um ambiente totalmente aberto, totalmente público.

blog: onde tudo começou

Essa publicização da intimidade revelava um caminho catártico de constituição de si. O site de Justin trazia vida real a ele, mesmo que, na aparência, fosse ele que levasse a sua vida real aos outros.  Foi imediato o aparecimento de toda uma comunidade virtual em torno dos seus relatos. Era aquele devir bbs, de compartilhamento de ideias, de interação mútua e de participação, que se afirmava agora numa cultura nova, baseada no mito da transparência total. Justin Hall tornava-se ali o pai fundador do diário virtual.

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O ativismo depois do clickativismo

Crítica direta e muito boa de Micah M. White contra o clickativismo – a maneira virtual de protesto 2.0, que funciona através da replicação de opiniões usando a estratégias de RTs, replies, menções, subscrições, “sign-ups”, curtições, hashtags, atualizações, postagens coletivas, diggagens, tudo muito próprio à cultura da visibilidade aberta pela “economia do link”. Embora a ação online possa gerar agitação (buzz) na rede, na prática, segundo o autor, o clickativismo não altera em nada a realidade, ao contrário, só faz criar uma nova forma de exercício do conformismo ou, o pior, o cinismo político. A contrapelo, o autor destaca que a internet continuará sendo a base da produção de discursos que irão desconstruir a visão consumista predominante.

A existência de uma “memewar” é algo que opõe os ativistas (com suas “bombas mentais” na internet) e os propagandistas do consumismo (que ganham reforço com os clickativistas). Contudo, lembra o escrtor, é a capacidade de mudar a realidade social que deve ser a principal métrica a ser analisada, para que a participação cidadã não se restrinja à capacidade de um assunto se tornar hype e de um movimento, celebridade.

Um trechicho do artigo original com tradução livre:

O Clickativismo é a poluição do ativismo misturado à lógica do consumo. (…) O que define o clickativismo é uma obsessão com métricas. Cada link clicado ou email aberto é meticulosamente monitorado. (…) Com um apelo massivo, clickativistas diluem suas mensagens através de chamadas para ações que são fáceis, insignificantes e impotentes. As campanhas buscarm inflar de percentuais a participação, e não derrubar o status quo. Ao final, a transformação social é comercializada como uma marca de papel higiênico.