Publicado na Revista Global.
Quando acabou o primeiro turno das eleições presidenciais de 2010, uma febre geral contaminou a internet e o país. @Marina_Silva (PV) – a grande vencedora na web brasileira – recebeu quase 20 milhões de votos e empurrou uma eleição, quase ganha pelo PT, para o segundo turno. Logo de início, todo uma comemoração tucana ocorria na rede. Afinal, José Serra (PSDB) foi o que mais se beneficiou com a votação expressiva da senadora pelo Acre. O movimento mais nítido na internet se dava no site Twitter, com a emergência do levante digital #dilmanao. De outro lado, a hashtag #ondaverde (um link que armazena tudo que foi publicado sobre um assunto, no caso, ondaverde) explodia de felicidade, com milhares de usuários relatando o papel que tiveram ao colocar pautas que estavam deslocadas nas candidaturas de Serra e Dilma Roussef (PT). E repetiam o bordão de Marina: “Não vamos deixar a #ondaverde se tornar uma #ondapolitiqueira no segundo turno, por favor”.
Enquanto verdes e tucanos comemoravam, o clima, entre os partidários petistas, era de 2×2, depois de estarem ganhando, fácil, de 2 a 0. Algumas teses sobre o porquê da quantidade de votos de Marina rapidamente se espalhavam; a principal delas: Marina recebeu votos volumosos daqueles que se influenciaram pela circulação na internet de informações difamatórias sobre Dilma. Assim, pelo raciocínio lógico, o ativismo da campanha online de Dilma vacilou e foi trolada, como diz na linguagem internet, quando certo site/pessoa sofre ataques de difamadores e caluniadores, geralmente de gente inexpressiva. Aprofundando ainda mais essa lógica, a conclusão seria breve: surgia no Brasil um novo tipo de conservadorismo, o religioso pentecostal – a religião dos mais pobres, diga-se de passagem.
A tese veio trazida pelos blogs alinhados ao governo federal, veículos que foram fundamentais na vigilância e desvelamento das verdades profetizadas pela grande imprensa (Folha de São Paulo, Veja, Estado de São Paulo e Globo – chamado. por Paulo Henrique Amorim, de Partido da Imprensa Golpista, o PIG). Tanto a #ondaverde, quanto o conservadorismo religioso existiram. Mas é uma ficção atribuir a votação recorde de Marina à boataria online, sobretudo, porque na internet não há verdade que perdure muito tempo. Na prática, a #ondaverde (um movimento dos usuários da internet) venceu o PIG e os “blogs sujos” (termo chulo atribuído por Serra aos blogs ainhados a Lula) por trazer algo que nem um nem o outros abordaram, de fato, um debate mais qualificado das temáticas que o governo Lula fez avançar e que o partido de Serra fez criticar.
O tsunami verde venceu a grande imprensa porque não caiu na caricaturização midiática de uma Marina, considerada frágil, lulista e somente ambientalista, e inventou uma Marina forte e portadora de uma crítica ferrenha ao desenvolvimentismo dos seus opositores. Saiu da #ondaverde a ideia de Dilma como fantoche de Lula. Enquanto o PIG constituía uma imagem de Dilma como “amiga de Erenice”, a #ondaverde, nem aí, indagava por que Lula não escolheu Marina no lugar de Dilma. Queriam Lula de qualquer jeito. E foram fundo na investigação das falas equivocadas de Serra sobre o governo Lula, saiu da onda a pergunta: Serra, você apoia o Lula, e o FHC, não, por quê?. Ninguém notou isso.
De outro lado, a rede verde atropelou os blogs alinhados ao governo Lula, ao demonstrar que o foco da ação em rede deveria levar em consideração um Serra preso a sucessivos governos elitistas, mas não só isso. Não poderia estes, para ser independentes, se pautar numa defesa irrestrita e sem crítica ao movimento Dilma, sobretudo, porque havia questões ligadas à política de desenvolvimento que estavam sendo deixado para trás, sobretudo, a dura tensão entre agronegócio x devastação ambiental; grandes parques hidrelétricos x questão indígena; Olimpíadas x remoção dos pobres; algo muito básico para qualquer eleitor de classe média C se conscientizar rapidamente. A criação do #pergunteaoserra, uma sátira dos internautas ao político tucano, conquistou o grau de assunto mais twittado na véspera do 1º turno e revelava todo potencial da rede em desconstruir a imagem de um tucano que “gostava de Lula, mas não aceitava Dilma”. A #ondaverde tirou-lhe o próprio discurso, canibalizando-o para si, enquanto toda uma rede dilmista ficava em pé de guerra com a imprensa, à espera das edições do dia dos jornais e revistas. O erro de Lula foi ter ficado pilhado por esses blogs e vir com tudo contra a imprensa.
Há elementos que explicam a dinâmica da perda de voto da Dilma, a ascensão de Marina e a estacionada de Serra, do ponto de vista da análise de rede. No caso da Marina, entendo que teve a ver com o fato de contaminar o eleitorado mais jovem, que tem um voto mais volátil, e associado à defesa de uma política sem corrupção, mas também com um certa preguiça em escolher entre governo e oposição. Preferiram uma terceira via. Hoje ser jovem é ter consciência da ambiência social, está todo mundo irritado com poluição, trânsito, energia suja etc. Foi um recado claro. E se os candidatos pensarem que o problema é o fanatismo religioso vão despolitizar o debate público, criando uma ficção eleitoral das piores. E vão jogar esse grupo de eleitores sempre para o niilismo, ou seja, para o voto nulo. E aí uma nova onda vai surgir, a #ossemondaalguma. E a internet vai explodir com isso. Jovens já provaram que sabem afirmar sua potência e, acredito, que ninguém duvida deles (os pais aderiram em massa a potência dos filhos). A senadora acriana compreendeu isso e começou a usar o termo “poder jovem”. Nesse caso, o poder jovem já sabe que tem um poder de replicação na rede, algo que a imprensa detesta, porque quem replica mais é também mais ouvido, nessa comunicação pelo eco que é a própria internet. Eles não tinham nada a ver com a boataria.
Junto a esse grupo 01, há, segundo análise que faço da leitura dos tweets da #ondaverde, um grupo que não se identificava com ninguém, senão com um Messias ético. Possivelmente, o voto no segundo turno dessa turma foi nulo. É a turma orfã da Heloísa Helena. Um terceiro grupo é o da simpatia pelo governo Lula, mas que caiu na pilha ditada pela mídia e pelos blogs alinhados ao governo, que comentaram excessivamente escândalos de receita, Erenices e tutti quantti, repercutidos por Lula, Dilma e Serra. Embebidos pela raiva à imprensa, a velha guarda da imprensa alternativa (agora, online) acabou por dar mais elasticidade ao que a imprensa serrista mais queria: repercussão dos “seus” fatos. Mas não se tinha escolha, o trabalho desses blogueiros rendeu uma votação grandiosa da Dilma (com 1 milhão a mais de votos do que Lula em 2006), mas acabou por contribuir na fuga desse terceiro grupo que Dilma precisava para levar a eleição no 1º turno. Esse eleitor fugiu da dialética midiática das eleições. Contudo, findada a dialética, esse grupo de eleitores, mais moderado e com preocupação social, voltou para engrossar o coro daqueles que se preocupam com a possibilidade de o país ser governado por Serra, um “ambientalista convicto”, para usar expressão irônica do próprio tucano. E há, na #ondaverde, há um quarto grupo, que, de imediato, se juntou a hashtag #dilmanão (feita de três tweets apenas, num esforço grande da equipe de Serra de mantê-la no topo dos Trending topics, usando um batalhão de robôs spammers). O #dilmão é aquele seis milhões de votos que teve Alckmin em 2006 no primeiro turno e Serra, não. É uma gente cool, chique e que não gosta de negro na universidade e de classe C andando de avião, como gosta de dizer a professora de comunicação Ivana Bentes.
Marina teve forte presença na rede também de maneira individual, seus tweets foram quase sempre “verdadeiros” (escrito por ela mesma), opinativo e conversacional, enquanto todo uma linguagem de agendas e agradecimentos marcavam os perfis de outros dois candidatos (sem falar no Plínio, com os seus ótimos momentos em frente à sua webcam). Marina também contou com estrelas pop da internet, como a turma do CQC. Mas a questão fundamental é que o movimento da rede seguiu um grande plano de despolitização, que redundou na tensão entre a blogosfera e a imprensa, muito associado a troca de escândalos entre essas partes. E a mistificação desse “encantamento com a política” acabou, de forma oportuna, sendo gerido pela Marina.
A principal aprendizagem tirada do #ondaverde é que o Obama nunca surgirá no Brasil Digital. É coisa de lá e pronto. Uma outra foi a falta que fizeram o papel dos intelectuais (de nicho ou de massa) no campo da produção de discurso para Dilma e para Serra. Uma rede que pudesse propor e participar de linhas de pensamento maduras e não condená-la a um fluxo de sucessivas e intermináveis ondas do vale tudo e baixarias (não é à toa que o perfil do intelectual Emir Sader no Twitter se transformou em um oásis num mar de tensão dialética midiática). No segundo turno, aconteceu o óbvio, a hashtag #ondaverde foi tomada de assalto por dilmistas e tucanos. Pouco exigida no primeiro turno, a militância desabrochou na internet. Não deu outra, o movimento #dilmanao logo rivalizou-se com uma centena de movimentos pró-Dilma, cuja bolinha de papel foi o ápice da virada dilmista da rede. O PT ganhou, mas tomou uma sova na internet. Só não apanhou mais porque a rede, para além dos brutamontes e do marketeiro do partido, foram atropelados pela potência de milhares de eleitores da rede, que, com muita criatividade, foram capazes de reverter a investida consevadora na internet. Na última semana antes da votação, #dilma13 dominava todas as redes. Com folga, muita folga. Contudo, depois de uma semana da vitória, Dilma esqueceu do seu Twitter. Mas os opositores, não.