Alô, alunos,
Segue transcrita a palestra do Negri, que assistimos na última aula. Não reparem alguns pequenos problemas de tradução. Qualquer coisa a culpa é minha, o tradutor.
Alô, alunos,
Segue transcrita a palestra do Negri, que assistimos na última aula. Não reparem alguns pequenos problemas de tradução. Qualquer coisa a culpa é minha, o tradutor.
Os discursos sobre a “Periferia” – a coisificação da criação artística e cultural que assola o País.
Natália Amorim
Abarcando a muitos com alcunhas como “estética da periferia” e “gueto globalizado” os discursos que roubam a fala e mimetizam o conhecimento de parcela dos nossos criadores é hoje um grande negócio para a economia cultural.
Emparelhar a produção dos criadores, artistas e pensadores, que não vivem sob o teto dos bairros da elite, classificando essa produção com termos como “estéticas das periferias metropolitanas”, “gueto globalizado”, “constituição do comum” e outras alcunhas, parece ser a nova moda da mídia e acadêmicos. Os que assim adotam tais denominações, longe de conceber esses espaços de convivência plurais (homem/mulher/criança/bicho/planta/ construções) em sua heterogenidade, singularidade e afetos, procuram abarcar em uma linguagem que caí muito bem ao gosto do “statos quo” de uma elite cultural e intelectual que pesa, mede, cartografa, mapeia e pesquisa, tornando “coisas” a todos os que não habitam nos “bairros nobres” das metrópoles, estes sim, espaços identificados singularmentes em seus nomes, cantados em prosa e verso, e dramatizados em cadeia nacional, cujo o imaginário e a singularidade parece coabitar e pertencer apenas aos que neles o partilham como morada.
Quando a palavra “periferia” não havia caído no gosto duvidoso da mídia e da elite artística e cultural nominava-se aos bairros afastados do centro das capitais e cidades pelo seu nome, eram espaços urbanos que existiam em suas singularidades: Neves, Coqueiro, Marambaia, Ramos, Barreto etc. Hoje, todos esses espaços, legitimados em sua história e afetos foram jogados no lugar comum de “periferia”, então criou-se uma “estética da periferia”, o que se tornou mais um produto a ser explorado de forma comercial, pela mídia, intelectuais, acadêmicos e produtores. Exposições, programas de TV, Seminários etc. e o mais interessante é que são em sua maioria concebidos e produzidos por pessoas que não moram nela.
Sob o título Constituição do Comum – Cultura e Conflitos do Capitalismo Contemporâneo, esteve em Belém um Seminário do programa Cultura e Pensamento do MINC – Ministério da Cultura tendo como curadores Ivana Bentes e Giuseppe Cocco em parceria com centros de pesquisas, e Universidades UFRJ e UFPA. O título Constituição do Comum que no folder se propunha a abranger questões como : Movimentos, Migrações, Racismo, estéticas das periferia metropolitanas, políticas da expressão, funk, hip-hop, tecnobrega, quilombolas entre outros, soou estranho e foi ininteligível a princípio, a exceção dos acadêmicos participantes que compartilhavam da mesma linha de pensamento – mais tarde explicada ao público por se tratar de um termo criado por Antonio Negri e adotado como condutor do que ali ia se debater. Nas mesas compostas em sua maioria por acadêmicos, o que se ouvia era a inexpressiva produção dos debatedores que não alçavam vôo além do que a simples constatação, perdidos em sua verborragia vazia e sem sentido de uma produção alienada alheia a práxis, com exceções de poucos detentores do real conhecimento, o que conjuga reflexão e ação, que ali estavam como Zélia Amador, firme em sua luta pelas cotas para negros, sabedora ela na sua própria pele do que fala e pratica.
Temas como a busca eterna da identidade perdida , questão que nossos acadêmicos que versam sobre cultura adoram verborragir, e dar voltas e mais voltas sem sair do lugar, os mesmos que partilham e importam idéias e conceitos como o “gueto globalizado”, a “estética da periferia” e a “Constituição do Comum”, já que hoje, os mesmos que adotam tais termos, por vezes vivem em espaços perdidos de seus sentidos simbólicos e afetivos se expressos numa porta antiga, numa madeira ou grade descascada, e numa rua de areia, já que os espigões proliferam pelos bairros centrais das metrópoles, para onde anseiam ir as massas da elites econômicas, culturais e intelectuais do Brasil. A mesma elite que faz com que a UFRJ, a segunda maior universidade do país não tenha bandejão, mas apenas restaurantes internos particulares.
Na ausência dos reais representantes dos temas ao qual o evento se propôs a debater, tecnobrega, funk, hip-hop, produção de música o que se ouviu foram as falas desapropriadas que partiam apenas da observação passiva e afastada, que coloca-nos a todos como “objetos de estudo” e nos “coisifica” e “periferifica”. Ecos distantes angustiantes e angustiados, no entanto cientes do seu papel de oferecer a um público “diverso” o pensamento da produção da elite acadêmica e intelectual do país.
Os discursos culturais – reflexos de uma história que ditou a produção cultural, e tem ditado as políticas públicas partindo do monopólio da região Sudeste, ou Sul maravilha, ainda tenta perversamente enquadrar de forma uniforme a riqueza da criação artística e cultural do país, servindo-o aos jogos do mercado, ao neo-liberalismo, e ao bolso da pequena elite cultural do país que se beneficia dos que não conseguem ou se negam a entrar na máquina criada, e buscam de uma outra forma compartilhar e expressar criações, idéias e arte. Chegando hoje ao absurdo de captarem recursos, e fazer projetos culturais para falar destes, apropriando-se da criação e idéias de um cem número de criadores para mimetizar o conhecimento.
Com propostas de sair de um mar de anônimos os grupos de criadores, e artistas, que se espalham pelas cidades são agora alvos de produtores e captadores de recursos para que surjam como pessoas físicas e jurídicas, enquadrados num modelo instituído pelas pessoas pensantes que formularam e formulam as políticas públicas e privadas do estado e do mercado hoje no país , agora re-designado de “capitalismo cognitivo”.
O que representa realmente o “gueto globalizado”? O que se entende por democracia? E as quantas anda a amnésia coletiva da elite econômica, cultural e artística, que dá as coordenadas no país? A “Constituição do Comum” também pode designar a produção acadêmica do país?
Obrigados a ouvir frases como “vivemos no capitalismo e não tem jeito mesmo”, os “grupos artísticos tem que se adequar” saímos do Seminário com um sentimento estranho, que hora nos desnorteia, mas também nos fez mais solidários, nós que estávamos ali presentes, co-partícipes do que há por vir, e pelo respeito de podermos falar de nós mesmos, de nossos símbolos e ícones, do nosso jeito e formas de ser, pensar, criar, e se expressar, respeitando os construtos mentais diversos que constituem o que se chama Brasil, oriundos de formações étnicas e geográficas múltiplas. Respeito ao nosso direito de ainda sermos solidários e cooperativos e também respeito ao nosso direito de sermos utópicos, e de nossa luta por não sermos coisificados e legados ao lugar Comum.
Natália Amorim
28/09/2007 – Belém – Pará – Amazônia – Brasil
Natália Amorim é cenógrafa, figurinista, arte-educadora, especialista em arte-terapia; Técnica em gestão cultural da Secult –Secretaria de Cultura do Estado do Pará, é ainda poeta e fotógrafa. Atual moradora do Bairro da Marambaia em Belém-PA.
Qua,qua,qua,qua,qua…e cartografaram Tia Raimundinha da Quitanda…