Karl Marx, quando ainda rascunha (Grundisse) o Capital, produz um texto memorável (Fragmento sobre as máquinas), em que antecipa como a forma de produção se desenvolveria em um capitalismo avançado. A sua tese era que o capitalismo se tornaria um regime em que o principal valor seria produzido pela ciência e pela inteligência (o trabalho vivo, como denomina) do trabalho humano, a ponto de toda a sociedade se tornar produtiva, um general intellect. O texto abaixo poderia descrever muito bem o atual estado do que chamamos de sociedade do conhecimento ou capitalismo cognitivo:
A natureza não constrói máquinas, nem locomotivas, nem ferrovias, nem o telegráfo etc. São estas produtos da indústria humana: material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou da sua atuação na natureza. São órgãos do cérebro humano criados pela mão humana; força objetivada do conhecimento. O desenvolvimento do capital fixo (máquinas, por exemplo) revela até que ponto o conhecimento ou o conhecimento social geral se converteu em força produtiva imediata e, portanto, até que ponto as condições do processo da vida social mesma estão sob o controle do general intellect e remodeladas conforme ele mesmo. Até que ponto as forças produtivas sociais são produzidas não somente na forma de conhecimento, mas sim como órgãos imediatos da prática social, do processo da vida real.
só de passagem (ainda não sei se vou soar relevante ou se só vou reinventar a roda. em todo caso, comento): esse fragmento me parece flagrar um dos momentos cruciais da metamorfose do próprio conceito de conhecimento; a modernidade vinha aquecendo paulatinamente uma fusão de práxis e saber teórico, de intervenção transformadora (pleonasmo?) e conhecimento. nesse novo relacionamento com o conceito, não sobra espaço para um saber que é para si mesmo, que é bom sendo pura contemplação.
O que acho interessante do fragmento é a aposta de que o conhecimento passa a ser algo que permea toda a sociedade capitalista e que determina as agregações do valor à mercadoria capitalista, sem necessariamente ser uma atividade daqueles que produzem diretamente a mercadoria. Hoje, por exzemplo, quando a gente vê um conjunto de serviços baseados no afeto e no relacionamento, nos perguntamos, quem detém conhecimentos sobre fidelização, afetos e relacionamentos? Toda a sociedade, que acaba produzindo um excesso de conhecimentos que logo são aplicados aos processos e produtos capitalistas.
Os blogs são um belo exemplo disto. É um excesso de conhecimento que está presente tanto num adolescente quanto num operário clássico que são blogueiros. O que rola hoje é a captura dessa linguagem pela mídia linear e monopolizadora (sem querer ser apocalíptico!).
Assim, concordo com vc que o fragmento já não separar práxis da teoria.
VAleu!